Paul McCartney, Gilberto Gil, Isaac Hayes, Curtis Mayfield, Lou Reed, Caetano Veloso... Puseram bastante talento na água de 1942. Gil completou 70 na última terça-feira.
sexta-feira, 29 de junho de 2012
Mais uma estimativa de juros reais no Brasil
A Bradesco Corretora fez uma estimativa de juros reais no Brasil desde 1965; a metodologia foi bem diferente da que eu usei. Os dados se resumem ao gráfico abaixo, coloquei também uma tabela comparando com os meus resultados:
O relatório completo do Bradesco está aqui.
O relatório completo do Bradesco está aqui.
Ai-que
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Eike dureza ter que olhar de novo pra essa capa ridícula... |
Ontem o Arthur M. me mandou um e-mail perguntando se eu não ia escrever nada sobre a, digamos, maré de azar nas empresas do grupo X (considerando o meu muitas vezes manifestado ceticismo com relação a esses negócios). Eu respondi que não pretendia porque: primeiro, não entendo quase nada de petróleo - a maior queda (perda de metade do valor de mercado neste mês) foi da OGX, em teoria provocada por um corte de estimativa de produção em uma das áreas de exploração e; segundo, ainda era cedo para declarar Eike e suas empresas uma fraude completa. Isso foi enquanto a queda da OGXP3 no pregão era de "apenas" 7%. No fim do dia acelerou para quase 20%, a MMXM3 caiu outros 17% e fiquei com a impressão de que, na melhor expressão da célebre frase de Dornbusch, as coisas poderiam estar acontecendo mais rápido do que qualquer um poderia imaginar.
Eike é o arquétipo da ilusão do "Brasil que deu certo", que conseguiria enriquecer em uma geração com um modelo baseado em pouco mais do que exploração de commodities e a crença de que os termos de troca nunca voltariam a piorar. A genialidade de Eike foi perceber que o mundo havia se convencido dessas falácias, e que empresas pré-operacionais, com todo o risco associado a esse estágio do negócio e à exploração de commodities, poderiam ser vendidas como empresas maduras, cash cows em plena operação. Acho que o ajuste dos preços de mercado neste mês (que não sei se já terminou - de qualquer forma, o mês útil termina hoje) reflete a reversão dessa ilusão, e as empresas serão reprecificadas de forma a refletir melhor a realidade, não a expectativa de um futuro onde tudo deu certo. Uma próxima reprecificação pode ocorrer se o mercado se convencer de que alguns dos projetos vendidos são fraudes e que o investimento será perdido; não os conheço a fundo para saber se isso vai acontecer, ainda que não me pareceria uma grande surpresa. Ecoa na minha cabeça a frase que ouvi do professor L. Randall Wray em um seminário, há alguns meses: "nada é mais lucrativo que fraude". É possível que a loucura com o caso do Brasil tenha chegado a um ponto em que as expectativas exageradas de lucros só poderiam ser correspondidas com a venda de fraudes, com todas as letras. O próximo par de anos deve ser um bom teste para essa tese.
Um outro aspecto pernicioso do "fenômeno Eike" é o uso de sua história como modelo de gênio capitalista visionário - nada é mais ilustrativo disso do que a ridícula capa de uma edição de janeiro deste ano da revista com maior circulação no país. O capitalismo, nesse caso, é a exploração do setor primário, intensivo em capital e de baixíssimo potencial de inovação, fortemente regulado pelo governo, com o uso de grandes volumes de financiamento a juros subsidiados de um banco de fomento estatal. Compare com a trajetória de verdadeiros capitalistas visionários (pode ser o Steve Jobs, pra pegar um caso mais recente) e ache os sete erros. Até a alusão ao caso da China é apropriada: crescimento brutal em todos os sentidos, também com a possibilidade de ter sido alimentado além do verdadeiro potencial com uma miríade de fraudes. É esse o modelo que queremos usar?
"Não éramos tão ruins, nem ficamos tão bons", foi o que disse o professor Eduardo Giannetti em uma entrevista de dezembro de 2009. Pensando em mercados, se juntarmos a magnitude e o tempo que durou a ilusão de que eramos muito bons com a segunda regra de Bob Farrell (excessos em uma direção levam a excessos na direção oposta), podemos esperar um longo e duro período de correção, até que pareça de novo que somos muito ruins. Talvez estejamos vendo o início desse movimento. Torçamos pelo melhor, nos preparemos para o pior.
Agradeço ao Arthur M. pela provocação e discussão.
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quinta-feira, 28 de junho de 2012
Leituras da Semana
- Apresentação de Jim Chanos sobre o que ele considera armadilhas de valor (Petrobras entre elas).
- Liaquat Ahamed, de Lords of Finance, sobre a atual geração de banqueiros centrais.
- Os últimos países AAA.
- Jens Nordvig, do Nomura, sobre a volta da dominância de política sobre a economia.
- Anatole Kaletsky sobre as consequências de uma eventual saída da Alemanha do euro.
- Mark Dow sobre metais preciosos.
- Persio Arida fala ao Estado sobre o Plano Real (prestes a completar 18 anos) e o Brasil de hoje.
- Fabuloso artigo de Deirdre McCloskey sobre felicidade, uma crítica aguda e pertinente aos "quantitative hedonists".Quando não se perde na própria erudição, McCloskey tem, de longe, o melhor texto que conheço entre economistas vivos. Vejam esse trecho: "Decades ago, I was in Paris alone and decided to indulge myself with a good meal, which, you know, is rather easy to do in Paris. The dessert was something resembling crème brulée, but much, much better. I thought, “I shall give up my professorships at the University of Iowa in economics and history, retire to this neighborhood on whatever scraps of income I can assemble, and devote every waking moment to eating this dessert.” It seemed like a good idea at the time."
- Qual o candidato à presidência dos EUA mais preparado para lidar com uma invasão alienígena?
- A Manifesto for Economic Sense
- O centro de gravidade da economia global.
- Conheça La Línea de la Concepción, a vizinha espanhola de Gibraltar e interessante (e deprimente) microcosmo da crise na Espanha.
- The Economist comenta a biografia de Ryszard Kapuscinski, agora traduzida para o Inglês.
- John Gray desconstrói Slavoj Žižek (e não sobra muita coisa).Guardian sobre Žižek .
- Um congestionamento de 12 horas em Lagos, Nigéria.
- Uma teoria geral dos tipos de Muppets.
- A resposta de Ronald Reagan a um quarto de adolescente declarado área de desastre (via goombagoomba).
- Algumas concorrentes do concurso anual de fotografia de viagem da National Geographic (a que ilustra este post está entre elas).
- Os 10 mandamentos do bowieismo.
- A Noite Estrelada, de Van Gogh, com dominós.
- Liaquat Ahamed, de Lords of Finance, sobre a atual geração de banqueiros centrais.
- Os últimos países AAA.
- Jens Nordvig, do Nomura, sobre a volta da dominância de política sobre a economia.
- Anatole Kaletsky sobre as consequências de uma eventual saída da Alemanha do euro.
- Mark Dow sobre metais preciosos.
- Persio Arida fala ao Estado sobre o Plano Real (prestes a completar 18 anos) e o Brasil de hoje.
- Fabuloso artigo de Deirdre McCloskey sobre felicidade, uma crítica aguda e pertinente aos "quantitative hedonists".Quando não se perde na própria erudição, McCloskey tem, de longe, o melhor texto que conheço entre economistas vivos. Vejam esse trecho: "Decades ago, I was in Paris alone and decided to indulge myself with a good meal, which, you know, is rather easy to do in Paris. The dessert was something resembling crème brulée, but much, much better. I thought, “I shall give up my professorships at the University of Iowa in economics and history, retire to this neighborhood on whatever scraps of income I can assemble, and devote every waking moment to eating this dessert.” It seemed like a good idea at the time."
- Qual o candidato à presidência dos EUA mais preparado para lidar com uma invasão alienígena?
- A Manifesto for Economic Sense
- O centro de gravidade da economia global.
- Conheça La Línea de la Concepción, a vizinha espanhola de Gibraltar e interessante (e deprimente) microcosmo da crise na Espanha.
- The Economist comenta a biografia de Ryszard Kapuscinski, agora traduzida para o Inglês.
- John Gray desconstrói Slavoj Žižek (e não sobra muita coisa).Guardian sobre Žižek .
- Um congestionamento de 12 horas em Lagos, Nigéria.
- Uma teoria geral dos tipos de Muppets.
- A resposta de Ronald Reagan a um quarto de adolescente declarado área de desastre (via goombagoomba).
- Algumas concorrentes do concurso anual de fotografia de viagem da National Geographic (a que ilustra este post está entre elas).
- Os 10 mandamentos do bowieismo.
- A Noite Estrelada, de Van Gogh, com dominós.
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quarta-feira, 27 de junho de 2012
terça-feira, 26 de junho de 2012
Fala Keynes
Nunca tinha ouvido a voz do velho John Maynard; semana passada, o Open Culture desenterrou esse discurso dele para a BBC, em 1939:
segunda-feira, 25 de junho de 2012
Como são decisões de política econômica
As opções:
O processo.
Tudo do espetacular episódio "Margaritaville", da 13ª temporada de South Park. Foi exibido originalmente em março de 2009, poucos dias depois da pior fase da crise nos mercados americanos - teria servido como um bom indicador contrário. Vale ver inteiro aqui. O pai de Matt Stone (um dos criadores da série), Gerald W. Stone, foi professor de economia (chegou até a escrever um livro-texto) e serviu de consultor para o roteiro, que tem um final inequivocamente keynesiano.
O processo.
Tudo do espetacular episódio "Margaritaville", da 13ª temporada de South Park. Foi exibido originalmente em março de 2009, poucos dias depois da pior fase da crise nos mercados americanos - teria servido como um bom indicador contrário. Vale ver inteiro aqui. O pai de Matt Stone (um dos criadores da série), Gerald W. Stone, foi professor de economia (chegou até a escrever um livro-texto) e serviu de consultor para o roteiro, que tem um final inequivocamente keynesiano.
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Frases do Dia - Dados e Conclusões
The more abundant and complex the statistical data and methods used in support of a conclusion, the weaker the result. Just as in a detective novel where the person with the more elaborate alibi is most likely to be guilty. Hard results in science rest on minimal, if any, statistics.
Nassim Taleb, no Facebook. Como princípio, diz bastante sobre a discussão da semana passada.
Nassim Taleb, no Facebook. Como princípio, diz bastante sobre a discussão da semana passada.
sexta-feira, 22 de junho de 2012
quinta-feira, 21 de junho de 2012
Leituras da Semana
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Não tem preço |
- David Rosenberg, economista pessimista de carteirinha, está ameaçando virar a camisa.
- Anatole Kaletsky agora tem um blog na Reuters.
- Uma aulinha da The Economist sobre como colocar 2000 anos de dados em um gráfico.
- A Foreign Affairs publicou uma série de contrapontos ao artigo pessimista com o Brasil do mês passado. De novo parei no paywall, agradeço a quem conseguir os textos e me mandar.
- Da turma do Why Nations Fail, 10 motivos que levam um país a desmoronar.
- 3x William Easterly: novo paper, que atribui quase metade do desenvolvimento global atual à colonização europeia; um cartoon sobre desenvolvimento e uma micro-opinião sobre a Rio+20.
- Há uma relação (inversa) entre índice de propriedade de imóveis e desenvolvimento?
- Deirdre McCloskey sobre os danos da intervenção estatal nos séculos XIX e XX, texto pequeno para uma discussão imensa (e ela consegue mencionar não menos que 20 autores em duas páginas - quanta gente consegue debater contra esse nível de erudição?).
- Nicholas D. Kristof visita o Irã e fala sobre os efeitos das sanções econômicas.
- Maurício Santoro sobre a Argentina, que deve entrar em recessão este ano (mas não pelos dados oficiais, claro).
- Timothy Garton Ash sobre mais um renascimento de Aung San Suu Kyi.
- Garry Wills sobre a crítica de Mangabeira Unger a Obama e o dilema ideal x possível em política.
- O grande Costa-Gavras sobre a Grécia.
- Calvin & Haroldo para entender a política no Egito.
- Karl Marx foi parar num cartão de crédito. Treme o Highgate Cemetery.
- Cartazes maximalistas de ídolos do rock.
- E há um novo vídeo da série Where the Hell Is Matt?, imperdível. Há alegria no Eixo do Mal:
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quarta-feira, 20 de junho de 2012
Blogosfera econômica brasileira pegando fogo
Quem acompanha os blogs de economia brasileiros, a essa altura já deve ter caído em algum post sobre a polêmica Reinaldo Azevedo x professor João Manoel Pinho de Mello e outros pesquisadores da PUC-RJ e do Banco Mundial. Abaixo tento organizar o que já se falou até agora e depois coloco minhas três linhas de pitacos:
1. Este é o link para o trabalho original, que não necessariamente foi lido por quem o criticou ou defendeu:
Chioda, Laura & de Mello, João M. P. & Soares, Rodrigo R., 2012.
"Spillovers from Conditional Cash Transfer Programs: Bolsa Família and Crime in Urban Brazil,"
IZA Discussion Papers 6371, Institute for the Study of Labor (IZA).
2. O Globo usou os resultados do paper para a matéria:
4. Vieram as reações da blogosfera: primeiro do Adolfo Sachsida, depois do Márcio Laurini.
5. O professor João Manoel Pinho de Mello escreveu uma resposta furiosa ao post do Reinaldo Azevedo, tentando explicar algo da metodologia do trabalho e suas limitações (não sem algum nível de "carteirada" e diminuindo o "blogueiro").
6. O Reinaldo treplicou em cima da resposta do professor e, aparentemente, ainda sem se dar ao trabalho de tentar ler o paper.
7. Nesse tempo, a blogosfera entrou em combustão:
- "O" Anônimo, do A Mão Visível, aproveitou os posts do Reinaldo para fazer algumas críticas pertinentes ao paper (aqui e aqui - vale ler também os comentários), com muito mais propriedade;
- Márcio Laurini comentou a resposta do professor e a tréplica do R.A.;
- Sachsida criticou o tom agressivo que tomou conta do debate;
- Chutando a Lata argumenta que a discussão evidencia a desmoralização dos economistas no Brasil;
- Mansueto Almeida falou sobre os limites da econometria e desse tipo de pesquisa;
- Claudio Shikida acompanhou as idas e vindas e notou que a econometria acaba fazendo o papel de Geni;
- Prosa Econômica acha que o R.A. armou um circo;
- Cristiano Costa entendeu a indignação do professor;
- Selva Brasilis argumenta que todos os envolvidos saem arranhados.
- Leonardo Monasterio sacou uma regra de bolso para saber quando se deve debater.
8. O R.A. ainda publicou uma "opinião de expert" totalmente furada (mais um que não leu o paper), que o Selva esculachou.
Ainda devo ter perdido alguma coisa (avisem nos comentários, por favor). Faltou a minha contribuição, provavelmente pouco relevante depois de tudo isso:
- Eu tive um pouco de preguiça dessa história desde o começo, confesso. Principalmente porque qualquer um que acompanha ou já acompanhou o Reinaldo Azevedo sabe do viés (pra não dizer ranço) antipetista dele. Para mim, o mais provável é que ele leu a notícia, não gostou da conclusão e começou a atacar a partir daí, sem gastar o mínimo de tempo conferindo se o trabalho acadêmico dizia aquilo mesmo ou tentando entender a metodologia. Também imagino que, se os mesmos pesquisadores tivessem usado exatamente a mesma metodologia e concluído que o Bolsa Família aumenta a criminalidade, ele teria destacado os resultados e chamado os autores de algo como "luzes de racionalidade no meio da névoa petralha". Enfim: não acho que o Reinaldo tenha muito compromisso com a realidade ou honestidade intelectual, ele tem uma agenda política que paira acima de tudo isso, para prejuízo do debate e conforto de quem prefere opiniões prontas e mastigadas.
- Como o Cristiano, entendo a fúria na resposta do professor. Assumindo que o trabalho foi bem feito, custou muito tempo e dedicação, etc (e não vejo motivos para duvidar disso), não deve ter sido legal ver ele sendo desmerecido em um post com uma reflexão superficial influenciada por ideologia e total ignorância sobre como esse tipo de pesquisa é conduzida e tratada. Isso levou a uma resposta que, mesmo informativa, carregou no tom de "falamos do alto da torre de marfim" e pode ter levado a um reforço no preconceito do público geral (sobretudo o leitor do R.A.) com a pesquisa acadêmica. Vendo tudo agora, creio que a resposta mais adequada dos pesquisadores seria um texto de duas ou três páginas bem didático, explicando, em termos simples (mas não simplórios), a pesquisa, os resultados e suas limitações. Tendo sido feita a propaganda, esse texto seria bastante útil para o público e poderia aumentar a reputação da academia. Perdeu-se essa chance, paciência, e, de novo, passado o tempo e à distância, é mais fácil criticar. É difícil ser conciliador logo depois de alguém pisar no seu calo, reconheço.
- Vários doutores em economia que estudaram algumas vezes mais do que eu já comentaram a parte técnica da pesquisa, e nesse quesito não tenho muito a acrescentar. As credenciais dos autores são muito boas, o que me leva a crer que é baixa a probabilidade de terem cometido alguma barbaridade metodológica. Além disso, o trabalho, para ser publicado, deve ter passado por várias revisões técnicas. Uma coisa é a metodologia e os dados usados terem limitações (e tenho pouca dúvida que os pesquisadores são dos primeiros a reconhecê-las), outra é achar que elas invalidam totalmente o trabalho.
- Para quem ficou só nos posts do R.A., provavelmente vai mesmo sair com a impressão que pesquisadores são uns lunáticos, não sabem nada sobre o mundo real e perdem-se entre seus cálculos esotéricos. Uma pena. Se há algo que esse debate todo evidenciou é: primeiro, a ignorância geral sobre a metodologia de pesquisa econômica e a confusão ao tomar resultados estatísticos (aceitáveis apenas dentro de um grau de confiança e, portanto, sempre sujeito a erros) como peças de ideologia ou conclusões determinísticas ou lógicas e; segundo, as dificuldades da academia na comunicação com jornalistas e o público leigo. Por outro lado, reforçou-se o estereótipo (que acho errado, fique claro - ou pelo menos é errado para toda a classe) que jornalistas não têm espaço ou capacidade para ir além da superficialidade. Talvez ainda haja algum esclarecimento nesses sentidos, mas, por enquanto, as chances foram perdidas. Em resumo: quem não tem formação em economia ou acompanhou apenas um dos lados da discussão provavelmente saiu com preconceitos reforçados e pouco mais.
- Como tinha dito, a história toda me deu um pouco de preguiça no início. Porém, como disse um amigo, levou a boas discussões sobre pesquisa acadêmica, econometria, causalidade, comunicação, política, etc; além disso, não lembro de outra questão ter mobilizado tanto a blogosfera econômica brasileira (aqui está o ex-preguiçoso, empolgadão, terminando texto à 1 da manhã) - que sempre deveria dar as boas-vindas a esse tipo de diálogo e, no fim das contas, enriqueceu com essa história. Serendipity, baby.
P.S. Outra coisa legal que surgiu nas discussões foi esse texto que o goombagoomba indicou, sobre a crítica conservadora à educação superior.
P.P.S. Bem que o Hermenauta podia sair da hibernação para entrar na discussão.
1. Este é o link para o trabalho original, que não necessariamente foi lido por quem o criticou ou defendeu:
Chioda, Laura & de Mello, João M. P. & Soares, Rodrigo R., 2012.
"Spillovers from Conditional Cash Transfer Programs: Bolsa Família and Crime in Urban Brazil,"
IZA Discussion Papers 6371, Institute for the Study of Labor (IZA).
2. O Globo usou os resultados do paper para a matéria:
Bolsa Família reduz violência, aponta estudo da PUC-Rio3. Reinaldo Azevedo, com sua sutileza habitual e muito provavelmente só com base na notícia (sem ter procurado o paper), chamou o estudo de "cascata autoevidente", acusou os pesquisadores de ideólogos e tentou mostrar com "lógica e bom-senso" os furos do trabalho.
4. Vieram as reações da blogosfera: primeiro do Adolfo Sachsida, depois do Márcio Laurini.
5. O professor João Manoel Pinho de Mello escreveu uma resposta furiosa ao post do Reinaldo Azevedo, tentando explicar algo da metodologia do trabalho e suas limitações (não sem algum nível de "carteirada" e diminuindo o "blogueiro").
6. O Reinaldo treplicou em cima da resposta do professor e, aparentemente, ainda sem se dar ao trabalho de tentar ler o paper.
7. Nesse tempo, a blogosfera entrou em combustão:
- "O" Anônimo, do A Mão Visível, aproveitou os posts do Reinaldo para fazer algumas críticas pertinentes ao paper (aqui e aqui - vale ler também os comentários), com muito mais propriedade;
- Márcio Laurini comentou a resposta do professor e a tréplica do R.A.;
- Sachsida criticou o tom agressivo que tomou conta do debate;
- Chutando a Lata argumenta que a discussão evidencia a desmoralização dos economistas no Brasil;
- Mansueto Almeida falou sobre os limites da econometria e desse tipo de pesquisa;
- Claudio Shikida acompanhou as idas e vindas e notou que a econometria acaba fazendo o papel de Geni;
- Prosa Econômica acha que o R.A. armou um circo;
- Cristiano Costa entendeu a indignação do professor;
- Selva Brasilis argumenta que todos os envolvidos saem arranhados.
- Leonardo Monasterio sacou uma regra de bolso para saber quando se deve debater.
8. O R.A. ainda publicou uma "opinião de expert" totalmente furada (mais um que não leu o paper), que o Selva esculachou.
Ainda devo ter perdido alguma coisa (avisem nos comentários, por favor). Faltou a minha contribuição, provavelmente pouco relevante depois de tudo isso:
- Eu tive um pouco de preguiça dessa história desde o começo, confesso. Principalmente porque qualquer um que acompanha ou já acompanhou o Reinaldo Azevedo sabe do viés (pra não dizer ranço) antipetista dele. Para mim, o mais provável é que ele leu a notícia, não gostou da conclusão e começou a atacar a partir daí, sem gastar o mínimo de tempo conferindo se o trabalho acadêmico dizia aquilo mesmo ou tentando entender a metodologia. Também imagino que, se os mesmos pesquisadores tivessem usado exatamente a mesma metodologia e concluído que o Bolsa Família aumenta a criminalidade, ele teria destacado os resultados e chamado os autores de algo como "luzes de racionalidade no meio da névoa petralha". Enfim: não acho que o Reinaldo tenha muito compromisso com a realidade ou honestidade intelectual, ele tem uma agenda política que paira acima de tudo isso, para prejuízo do debate e conforto de quem prefere opiniões prontas e mastigadas.
- Como o Cristiano, entendo a fúria na resposta do professor. Assumindo que o trabalho foi bem feito, custou muito tempo e dedicação, etc (e não vejo motivos para duvidar disso), não deve ter sido legal ver ele sendo desmerecido em um post com uma reflexão superficial influenciada por ideologia e total ignorância sobre como esse tipo de pesquisa é conduzida e tratada. Isso levou a uma resposta que, mesmo informativa, carregou no tom de "falamos do alto da torre de marfim" e pode ter levado a um reforço no preconceito do público geral (sobretudo o leitor do R.A.) com a pesquisa acadêmica. Vendo tudo agora, creio que a resposta mais adequada dos pesquisadores seria um texto de duas ou três páginas bem didático, explicando, em termos simples (mas não simplórios), a pesquisa, os resultados e suas limitações. Tendo sido feita a propaganda, esse texto seria bastante útil para o público e poderia aumentar a reputação da academia. Perdeu-se essa chance, paciência, e, de novo, passado o tempo e à distância, é mais fácil criticar. É difícil ser conciliador logo depois de alguém pisar no seu calo, reconheço.
- Vários doutores em economia que estudaram algumas vezes mais do que eu já comentaram a parte técnica da pesquisa, e nesse quesito não tenho muito a acrescentar. As credenciais dos autores são muito boas, o que me leva a crer que é baixa a probabilidade de terem cometido alguma barbaridade metodológica. Além disso, o trabalho, para ser publicado, deve ter passado por várias revisões técnicas. Uma coisa é a metodologia e os dados usados terem limitações (e tenho pouca dúvida que os pesquisadores são dos primeiros a reconhecê-las), outra é achar que elas invalidam totalmente o trabalho.
- Para quem ficou só nos posts do R.A., provavelmente vai mesmo sair com a impressão que pesquisadores são uns lunáticos, não sabem nada sobre o mundo real e perdem-se entre seus cálculos esotéricos. Uma pena. Se há algo que esse debate todo evidenciou é: primeiro, a ignorância geral sobre a metodologia de pesquisa econômica e a confusão ao tomar resultados estatísticos (aceitáveis apenas dentro de um grau de confiança e, portanto, sempre sujeito a erros) como peças de ideologia ou conclusões determinísticas ou lógicas e; segundo, as dificuldades da academia na comunicação com jornalistas e o público leigo. Por outro lado, reforçou-se o estereótipo (que acho errado, fique claro - ou pelo menos é errado para toda a classe) que jornalistas não têm espaço ou capacidade para ir além da superficialidade. Talvez ainda haja algum esclarecimento nesses sentidos, mas, por enquanto, as chances foram perdidas. Em resumo: quem não tem formação em economia ou acompanhou apenas um dos lados da discussão provavelmente saiu com preconceitos reforçados e pouco mais.
- Como tinha dito, a história toda me deu um pouco de preguiça no início. Porém, como disse um amigo, levou a boas discussões sobre pesquisa acadêmica, econometria, causalidade, comunicação, política, etc; além disso, não lembro de outra questão ter mobilizado tanto a blogosfera econômica brasileira (aqui está o ex-preguiçoso, empolgadão, terminando texto à 1 da manhã) - que sempre deveria dar as boas-vindas a esse tipo de diálogo e, no fim das contas, enriqueceu com essa história. Serendipity, baby.
P.S. Outra coisa legal que surgiu nas discussões foi esse texto que o goombagoomba indicou, sobre a crítica conservadora à educação superior.
P.P.S. Bem que o Hermenauta podia sair da hibernação para entrar na discussão.
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terça-feira, 19 de junho de 2012
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