
O beyondbrics
comentou ontem um
artigo do G1 do último dia 15, considerando a possibilidade de formação de uma bolha no mercado imobiliário brasileiro, que vive dias de euforia. Minha primeira reação foi pensar que é difícil imaginar uma bolha se formando em um mercado onde a taxa de juros passa fácil dos dois dígitos. Depois, lembrei de um
estudo do Edward Chancellor sobre a China que coloquei aqui, e decidir aplicar ao caso brasileiro o
checklist que ele sugere para identificar uma grande bolha se formando (aqui a análise é mais específica para o mercado imobiliário brasileiro, o estudo original se aplicava a um país inteiro):
1 - Começo em uma história de crescimento plausível
Esse é moleza. Quantas vezes, nos últimos meses, não se ouviu falar que o Brasil estava, finalmente, emergindo? No caso específico do mercado imobiliário, virou moda falar em "déficit habitacional", e as empresas de construção civil, praticamente inexistentes na bolsa há cinco ou dez anos, viraram estrelas, e a atividade de emenei no setor explodiu.
2 - Fé cega na competência das autoridades
Políticos brasileiros saíram da crise de 2008 / 2009 como semideuses. Guido Mantega dá conselhos no FMI e para o secretário do tesouro americano, Henrique Meirelles virou o melhor banqueiro central do mundo e Lula... melhor nem comentar.
3 - Crescimento dos investimentos
O Brasil, em termos de proporção do PIB, ainda é um país que investe pouco (cerca de 20%). Porém, no setor imobiliário, o boom é notável, com novas construções pipocando por todo o país. Dados consolidados do setor são escassos, mas, novamente, o crescimento das construtoras é um indicador confiável para este critério.
4 - Aumento de corrupção
No Brasil? Para aprovar obras que devem sair o mais rápido possível, para aproveitar um mercado pegando fogo? Novamente, não há dados... mas é perfeitamente plausível.
5 - Crescimento da oferta de moeda
Para a conceituação das diversas medidas de oferta de moeda no Brasil, veja a nota do
Banco Central. Grosso modo, M1 é a medida mais restrita de oferta de moeda (papel moeda em poder do público + depósitos à vista), e M3 é a mais ampla (inclui depósitos a prazo, cotas de fundos, etc...). Pelos últimos dados do Banco Central, M1 cresce a 18,6% na comparação ano contra ano (só deixou de crescer, desde 2003, em dezembro de 2008); M2 a 9%; M3 a 15% -- todos os crescimentos maiores que o do PIB nominal, como um bom monetarista pregaria. Há alguns dias o Banco Central iniciou um aperto monetário que deve implicar em um arrefecimento desses ritmos de crescimento, mas o saldo dos últimos anos é fortemente expansivo.
6 - Regime de câmbio fixo
Desse mal nos livramos em 1999. Trocamos a volatilidade do mercado por ajustes mais ágeis e um menor acúmulo de desequilíbrios ao longo do tempo. Um regime com o câmbio fixo supervalorizado é receita para acúmulo de empréstimos em moeda estrangeira a taxas atrativas, que viram impagáveis quando há a necessidade de uma desvalorização cambial -- ver Argentina em 2001.
7 - Crescimento do estoque de crédito
O volume total de crédito ao consumidor no país praticamente dobrou desde 2006. O estoque de crédito imobiliário, no mesmo período, foi multiplicado por quatro (partindo de uma base pífia, devemos reconhecer, e chegando num nível ainda muito baixo por comparação com qualquer outro país de nível de renda similar).
8 - Presença de risco moral
Se o conceito não existisse, teria que ser inventado para explicar algumas situações no Brasil. Para ser honesto, o tema é mundial, na medida em que os governos parecem dispostos a não deixar ninguém sofrer com más decisões de investimento.
9 - Estrutura financeira precária (projetos não geram caixa para pagar os empréstimos com os quais foram financiados)
Ainda é difícil avaliar. Por enquanto as companhias parecem estar bem, obrigado. Mas, num ambiente de juros subindo, o fim da euforia pode jogar vários projetos nessa categoria.
10 - Aumento no preço de imóveis
É do que estamos falando. Altas percentuais de dois dígitos são sintomáticas e tendem a não se sustentar no tempo.
8 / 10. Dá para acender uma luz amarela, não? A "compensação" é que há tantas outras bolhas mais gritantes do mundo que, provavelmente, o estouro delas vai ajudar a normalizar as coisas no Brasil antes que elas implodam por força própria.