quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Um Brasil do futuro: bom para o consumidor, pior para os capitalistas

De ler notícias e ouvir conversas, fiquei com uma impressão que pode ter desdobramentos interessantes (assumindo, claro, que eu não esteja redondamente errado, o que pode perfeitamente acontecer): ao mesmo tempo em que o Brasil tem se tornado mais protecionista para o comércio exterior (tentando manter um câmbio mais depreciado do que o que seria caso o regime fosse flutuante, com medidas tributárias para setores específicos, criando "campeões nacionais", etc), o país está se abrindo e atraindo investimento estrangeiro direto, em diversos setores da economia.

Uma consequência disso é que várias atividades que eram dominadas por players nacionais estão passando ou passarão a ter concorrentes estrangeiros de peso - o que me deu o "clique" foi a notícia de ontem do investimento de Peter Thiel na Oppa, loja virtual de móveis (que já havia sido fundada com capital estrangeiro). Pra pegar esse exemplo aplicado aqui a São Paulo: o mercado que antes era disputado por Casas Bahia e seus dormitórios Bartira, a Marabraz, a Tok & Stok e um monte de pequenos produtores que vendem na rua Teodoro Sampaio terá agora que se adaptar à existência de um novo varejista, possivelmente mais eficiente e disposto a disputar mercado via preços (isso mesmo sem a IKEA ainda não ameaçando aparecer por aqui). As margens devem cair (o que é condizente com a queda nos juros básicos), e o ganhador por excelência é o consumidor, com opções mais abundantes, melhores e mais baratas.

Outros exemplos recentes que me ocorrem (grandes players multinacionais anunciando entrada no mercado brasileiro): Expedia, Financial Times, Amazon, Netflix, GAP... devo estar esquecendo de muitos outros.

Não sei com qual grau de intenção, mas parece que foi criada uma situação em que o comércio exterior ainda é complicado e de pouco crescimento, mas as taxas de retorno (caindo, mas ainda altas quando comparadas ao resto do mundo), o ambiente macroeconômico / institucional e a expectativa de evolução do mercado têm atraído fluxos robustos de investimento estrangeiro direto. Se a tendência permanecer, esses fluxos devem aliviar as contas externas caso os preços de commodities comecem a cair, afastando por mais tempo o problema crônico de crises cambiais no país - isso tem funcionado para a Austrália há mais de 30 anos. Isso gera um efeito reflexivo para o investimento estrangeiro - com o fim do "peso problem", ou risco de uma grande desvalorização súbita do câmbio, mais investidores sentem-se seguros para trazer dinheiro para o país.

Enfim: margens e preços em queda, mais opções para o consumidor, menor risco de crise cambial. Talvez esse seja um caso próspero e otimista para o Brasil dos próximos anos (mais para o consumidor médio do que para os capitalistas, curiosamente). No caminho, muita coisa pode dar errado, mas boas sementes parecem estar sendo plantadas.

39 comentários:

Anônimo disse...

Então, para ti, o Loyola só pode estar delirando?https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/10/1/uma-estranha-e-perigosa-politica/

Drunkeynesian disse...

Acho que tem coisas que passam longe do controle do banco central, e são as que mais importam... ele dá muito peso para o que o BC faz ou deixa de fazer.

Anônimo disse...

Finalmente parece que ficou claro para o Blog...

A aposta petista da criação de um grande mercado de massa se apresenta cada vez mais vitoriosa

Drunkeynesian disse...

Resta saber se foi deliberado...

Anônimo disse...

Pode explicar melhor a comparação com a conta corrente da Austrália? Obrigado

Anônimo disse...

"A aposta petista da criação de um grande mercado de massa se apresenta cada vez mais vitoriosa"
Sim, após uma reunião noturna, o PT decidiu que o Brasil ideal teria uma população de cerca de 200 milhões de pessoas, com uma renda média, então criaram um grande mercado de massa. Após terem criado tudo que vemos hoje, no sétimo dia descansaram e aguardaram a decisão do STF.
Maradona

Drunkeynesian disse...

Austrália é cronicamente deficitária em conta corrente, ie, depende de entrada de capitais para fechar o balanço. Ao longo de muitos anos não teve crises cambiais graves porque sempre esse financiamento externo apareceu. O Brasil, durante esse período, precisou achar saídas como subir muito os juros, recorrer ao FMI, desvalorizar o câmbio...

Drunkeynesian disse...

Hahaha, é isso... como disse o Hobsbawm em um par de posts atrás: Os "economistas, como os políticos, sempre tendem a atribuir os sucessos à sagacidade de suas políticas".

Anônimo disse...

E aquela história do AUD desvalorizar? Segue?

Drunkeynesian disse...

Seguia bem até o QE, agora voltou para o nível que estava no início de setembro. Ainda gosto do racional.

Dirceu disse...

Quanto a criação do mercado consumidor de massas:

Essa é uma bandeira historica do PT desde a sua fundação. Os programas de renda e estímulo a demanda são as faces mais evidentes de que tivemos sim uma atuação de política econômica voltada para esse objetivo claro

Anônimo disse...

Drunk tá Hobsbawmando-se

Drunkeynesian disse...

Dirceu, o PT mudou muito desde a fundação, foi ficando mais pragmático. Claro que uma bandeira tradicional da esquerda é mais igualidade, mas o que ocorre hoje é totalmente diferente do que se imaginaria de um governo do PT pré-Lulinha-paz-e-amor.

Dirceu disse...

Caro Drunk

É inegável a mudança do PT..sua afirmação pode facilmente ser referendada..
Entretanto no que se refere a uma sociedade de consumo de massas observamos uma bandeira do passado (assim como politica industrial ativa, intervenções no mercado de cãmbio etc..)que continuam presentes e agora no governo Dilma muito mais ativas.

Os economistas tucanos sempre tiveram muito medo de DEMANDA :-)

Drunkeynesian disse...

Acho que nesse caso há diferença maior nos meios do que nos objetivos... E o "medo de demanda" é algo compreensível em um país com tantas restrições e problemas de oferta. Talvez tenhamos chegado no momento em que os astros se alinharam e essas restrições começam a ser vencidas, mas não necessariamente isso é fruto de uma ou outra política. A discussão é boa, concedo.

Anônimo disse...

Economistas temem inflação, crise bancária, crise de balanço de pagamento etc. Políticos temem queda na demanda, baixo crescimento, não poder inaugurar uma linda ponte sobre um córrego seco, não ter grana para gastar, não ter financiamento para campanha. Reagan e Sarney, bem como Lula e FHC, sabem que o consumo é o bem final das políticas econômicas, e é por essa métrica que serão julgados pelos eleitores (já alguns outros problemas acabam julgados mesmo no STF).
Faltou, como dizem os economistas, o contrafactual: o que fariam os tucanos em fase da colheita? Medo de demanda, arrocho e austeridade? Ou correr para o abraço? A resposta me parece fácil. Ontem e sempre, o futuro é a próxima eleição, então vamos "criar o consumo de massas" dirá qualquer um, estando ou não escrito num papel.
Outro ponto é que a "criação do consumo de massas" veio antes, por motivos óbvios, da "politica industrial ativa, intervenções no mercado de cãmbio etc.".
Maradona

Bruno disse...

Ao Dirceu (seria o José) aí de cima:

Meu querido, você realmente acha que os outros partidos não se preocupam com a criação de um mercado consumidor interno?

Os "não-PT" almejam chegar ao poder para, o que, manter o povo na pobreza? Diminuir o crescimento do país?

Como disse o Drunk aí acima, a diferença está nos meios, não tanto nos objetivos. Você pode discordar radicalmente das políticas adotadas por, digamos, FHC. Mas não pode duvidar que o objetivo dele era também desenvolver e enriquecer o país e sua população - o que pode incluir medidas contracionistas no curto prazo.

Anônimo disse...

Práticas nada mais do que populistas...
Todo esse discurso de nova classe média, mercado de massas e etc.
Esse cenário tem uma tendência bem forte a um futuro problema com o BP.
Poupança externa capaz de gerar instabilidade cambial acompanhada do sucateamento da indústria nacional.
Mais uma vez o Brasil está surfando na onda da "liquidez" internacional (ou falta de opção de investimentos internacionais, considerando que os dois principais centros estão em crise) e continua a aplaudir os "sábios" investidores estrangeiros.
Enquanto isso as indústrias nacionais nem sequer se dão ao trabalho de tentar tirar algum proveito do "futuro promissor" que o país tem se proposto a ser(em termos de crescimento de infraestutura e afins...afinal de contas, alguma coisa será fetia para a copa do mundo e as olimpíadas)...
Como se pode pensar em crescimento com uma estrutura dessa?? Falar em desenvolvimento então, deixemos para o próximo milênio quem sabe....

Anônimo disse...

Também não vejo sustentabilidade no processo de crescimento brasileiro. Os setores competitivos são todos ligados a commodities e, portanto, extremamente dependentes da Ásia, que quem sustenta a demanda por esses produtos.

A indústria, pobrezinha, é sobre quem caem todas as consequências dos problemas do País. No atual cenário em que EUA e Europa reavaliam políticas passadas, em que a Ásia já tem uma indústria consolidada, não vejo perspectiva de ganhos de renda, aspecto essencial para a consolidação de um mercado de massa.

Acho que parte do dito mercado de consumo brasileiro tem três pilares não sustentáveis: a) valorização cambial; b) transferências públicas; c) crédito.

O tempo dirá.

Drunkeynesian disse...

Vejam que em nenhum momento falei de desenvolvimento sustentado ou algo do tipo - ainda que a entrada de poupança externa possa aumentar o estoque de capital, isso ainda é muito lento - sem contar o pouco que é feito em educação. Só o que quis destacar é que talvez o consumidor brasileiro esteja passando de uma situação de poucas e caras opções para mais e baratas; e que talvez o risco de crise cambial, que sempre atrapalhou o país de tempos em tempos, esteja temporariamente afastado. Para essa última tese, o grande teste seria um choque negativo em termos de troca, veremos o que acontece...

Anônimo disse...

http://oglobo.globo.com/economia/financial-times-impresso-no-brasil-custa-16-nas-bancas-6279415

Delfim Bisnetto disse...

Só lembrando que "politica industrial ativa, intervenções no mercado de cãmbio etc." é um negócio que só atingiu grande escala no governo de uns 3-4 anos pra cá.

Os outros sete anos de governo do PT, quando predominou uma política econômica mais tradicional, não serviram para nada no desenvolvimento desse mercado?

Anônimo disse...

Na comparação entre Australia e Brasil, lá tem Estado patrimonialista como aqui? O capitalismo deles é de comprades como aqui? Qual o peso de empresas estatais ou com grande participação governamental nas ações na Australia? Qual o tamanho do parlamento do Judiciário e do Legislativos na Australia e no Brasil? Enfim, se você tiver certo, vou colocar todo os meus parcos recursos no Banco do Brasil e na Petrobras...

Drunkeynesian disse...

Ainda faço um post longo sobre a Austrália... mas não faça isso! O meu racional é que a remuneração para o capital não vai ser boa no Brasil... o que é bom pros consumidores nem sempre é bom pra quem vende.

Anônimo disse...

Um grande problema dos analistas é olhar o Brasil com o fígado, ficar na deprê sempre que ampliamos o investimento público num estádio de futebol em Cuiabá ou sempre que elegemos um notório crápula. O Brasil deve crescer entre 2% e 4% e sim devemos ter juros menores, custos de intermediação financeira menores, custos de preços administrados menores (abaixo do IPCA), alguns setores andando mais que outros enfim. Parece que vai sobrar uma graninha no bolso do consumidor sim. A bolsa já reflete isso: onde o governo entra reduzindo "custos" tá morrendo, varejo nas máximas, materials ao sabor da China as always.
Isso é curto prazo, ano, o lado dos investimentos é mais complicado mesmo, é onde fica mais difícil comprar os fundamento de longo prazo. É nessa linha que podemos olhar, não esperar se o Brasil vai virar a França em 5 anos. ou mesmo em 10.

Anônimo disse...

Boa tarde a todos, primeiramente parabéns pelo blog!

Alguém tem uma recomendação de artigo que toque no seguinte ponto:
"A política de retomada das exportações e a geração de empregos"

Preciso fazer uma breve apresentação sobre o tema, e estou coletando artigos para me basear.

Abraços!

Anônimo disse...

O mais relevante é passar a adotar metas tecnológicas na política industrial, como está sendo feito com o setor automobilístico. Isso faz com que possamos, quem sabe no futuro, passar a ser exportadores de verdade neste mercado.

Anônimo disse...

"Isso faz com que possamos, quem sabe no futuro, passar a ser exportadores de verdade neste mercado."
Enquanto isso o mercado pratica as maiores margens do mundo...
Não sei o que faria em relação à política industrial, mas é duro ver que todas as empresas terão que aumentar seu poder de lobby em Brasília para se manter no game ( como já fazem as teles brasileiras, que os CEOs gastam 90% de sua energia mantendo o bom trânsito com o governo).
Maradona

Frank disse...

cheguei tarde.

eu entendo o seu ponto mais amplo.

no q diz respeito às melhorias para consumidor, só um registro: a massificação do consumo no BR (como qq massificação, ok) está nivelando qualidade de serviço e produto por BAIXO.

a melhoria em preços para o consumidor é muito relativa, pois se deve mais a um trade-off com qualidade, do q ganhos de escala, a meu ver.

uma outra força com o case Brasil de 5~10 anos é o arranjo de crédito, cujo estoque na economia ainda não é dos maiores, mas cuja taxa de crescimento anual tem sido CAVALAR. No momento em q a velocidade de expansão de crédito arrefecer, a inandimplência, mantida baixa justamente pelo ingresso constante e veloz de novos tomadores limpos, aumentará.

Drunkeynesian disse...

Não concordo com o nivelamento por baixo... me parece que qualidade e variedade de produtos e serviços ainda é ruim, mas é claramente melhor que há 5, 10, 15, 20 anos...

Anônimo disse...

"a inandimplência, mantida baixa justamente pelo ingresso constante e veloz de novos tomadores limpos, aumentará"
Mais gente financeiramente equilibrada vai virar tomador quando os juros vierem para níveis terrenos, melhorando qualidade do crédito e aumentando o volume potencial, sem observadores histéricos ficarem gritando "é bolha!". E mais investidores conservadores vão ter que investir (passivamente ou ativamente) em crédito para ter algum juro. Tem muito coelho nessa toca, o efeito é razoavelmente positivo na demanda, inclusive para o investimento.
Maradona

Frank disse...

"Não concordo com o nivelamento por baixo... me parece que qualidade e variedade de produtos e serviços ainda é ruim, mas é claramente melhor que há 5, 10, 15, 20 anos..."

posso estar sendo influenciado pelo minha cesta de consumo.

para manter o mesmo padrão de qualidade X serviço, eu venho tendo q pagar bem mais do q a inflação anual medida pelo IBGE.

"sem observadores histéricos ficarem gritando "é bolha!". "

yo no creo en las burbujas, pero...

muita gente acha q tem coisa errada com nosso modelo de crédito e seu efeito no preço de ativos (imóveis, por exemplo).

inflação de ativos ?

Frank disse...

para fechar: talvez o "bom para o consumidor" a q vc se refira seja a classe B/C/D, com crédito e barateamento de itens das cestas típicas dessa turma (a sensibilidade à qualidade aqui é pouca ou nenhuma).

tenho a impressão de q a cesta da classe A tem encarecido acima da inflação.

Anônimo disse...

Eu estaria tranquilo quanto ao crescimento do credito se a renda per capita brasileira fosse no minimo o dobro da atual e se o pib potencial crescesse a 4% ou 5%... é este o caso brasileiro? É bom lembrar aos ditos "progressistas", ou seja, situacionistas, que inflação concentra renda...

Drunkeynesian disse...

Se a renda per capita do Brasil fosse o dobro da atual com o PIB crescendo a 5%, provavelmente seríamos o maior caso de desenvolvimento da história...

Anônimo disse...

Se sua tranquilidade depender do pib per capta dobrar, seus próximos muitos anos serão duros. Recomendaria ioga, alguns produtos que serão vendidos legalmente no Uruguai, alguma religião... Tá mais fácil torcer pro Adriano Imperador virar neurocirurgião.
Maradona

Anônimo disse...

Tão importante quanto um pib per capita mais elevado é a distribuição do pib. Alguém já disse mas não custa repetir: somos um país de renda baixa e injusto. Outro ponto de comparação entre Australia e Brasil é o chamado ambiente de negócios. Sem me alongar, pensem nos custos para se abrir ou fechar uma empresa no Brasil...

Anônimo disse...

Parem aí um pouquinho. Australia e Brasil ? Ao que eu saiba AUD é livre e conversível, a Austrália não defende a sua industria (que quase não existe ), há superávit nominal no orçamento australiano e, ao fim e ao cabo, eles são uns 22 milhões e somos quase 9 vezes isso. E mais, eles deixam rolar o mercado e aqui o governo vive querendo "melhorá-lo". Dá pra acreditar que vamos partir prum modelo australiano ?

Drunkeynesian disse...

Eu só comparei o Brasil com a Austrália num eventual cenário de conta corrente - não há como achar que há como copiar um "modelo austrliano".