terça-feira, 31 de agosto de 2010

Agosto acabou

Agosto segue sendo o mês do desgosto para a bolsa brasileira - o Ibovespa caiu 3,5% no mês que terminou.


P.P.S. Com a informação, eu não teria vendido, obviamente.

P.P.S. O livro da capa ao lado é altamente recomendável.

Professor Soros

Terminei há pouco o livrinho The Soros Lectures, que foi lançado este ano nos EUA para juntar cinco aulas que George Soros deu, em outubro do ano passado, na Central European University de Budapeste (fundada por ele próprio em 1991). Creio que essas aulas são o jeito mais fácil de acessar o pensamento abstrato de Soros, já que foram desenhadas para leigos e seus livros não são exatamente famosos pela facilidade de leitura e compreensão.

Soros, antes de ganhar bilhões no mercado financeiro e se tornar a cara mais conhecida do mundo dos especuladores, estudou na London School of Economics sob a orientação do filósofo Karl Popper, e daí vem sua ambição de tentar explicar o mundo. Mais do que isso, creio (pela leitura de uma biografia escrita por Robert Slater) que Soros é guiado por três motivações: a primeira é de ser levado a sério, de justificar como ele soube ganhar tanto dinheiro no mercado financeiro sem depender da sorte. A segunda é de devolver para a sociedade, em forma de conhecimento ou filantropia, esse dinheiro ganho às custas de tesouros nacionais e outros especuladores menos competentes. A terceira são suas crenças: Soros de fato parece acreditar em "sociedades abertas" e que o ativismo intelectual e político é uma maneira nobre de dedicar o tempo depois que as preocupações com dinheiro foram (muito) superadas.

Nessas aulas, Soros dedica-se primeiro a explicar sua teoria da reflexividade: em todo processo que envolve seres humanos, suas percepções são tão importantes quanto à realidade, e essas percepções podem também afetar objetivamente a realidade, gerando ciclos que se autoalimentam. Essa teoria serve muito bem para explicar a formação de bolhas no mercado financeiro, mas Soros é mais ambicioso: para ele, a reflexividade é presente em todos os aspectos da sociedade, e deveria ser sempre levada em conta nas formulações feitas por cientistas sociais (economistas inclusos). A realidade de Soros é ambígua, com causas e efeitos se confundindo e, por isso, difícil de ser modelada, para desespero dos que tentam prever o futuro com base nos dados passados.

Feito isso, Soros passa pela crise de 2008 / 2009 (segundo ele, o estouro de uma "super bolha" de alavancagem financeira), por como os anos Bush fizeram ele se decepcionar com os Estados Unidos e chega no que achei a parte mais interessante do livro: como o capitalismo pode ser contra a sociedade aberta. Para isso, ele parte de uma discussão muito interessante (pelo menos para mim, que estava procurando há algum tempo ler algo sobre esse tema) sobre a moralidade dos mercados: segundo ele, os mercados são amorais, já que seus valores são expressos em unidades monetárias e unidades monetárias são intercambiáveis, sem que os participantes precisem exercer algum julgamento moral nas suas decisões de compra e venda. Essa característica pode ser útil no nível individual, com diversos participantes atuando de acordo com seus interesses, mas falha quando é estendida para a política, que deveria levar em conta questões éticas e morais e a defesa do interesse coletivo. Nas palavras dele:
"... taking it for granted that all human behavior is guided by self-interest leaves no room for the exercise of moral judgment - and society cannot exist without some ethical precepts"


"Extending the idea of a free-standing market, self-governing and self-correcting, to the political sphere is highly deceptive because it removes ethical considerations from politics, which cannot properly function without them."

A vitória dos que ele chama de "market fundamentalists" ao longo dos anos 1980 e 1990 teria levado à situação atual, na qual governos seguem os princípios e interesses do livre mercado e deixam de se preocupar com as tais considerações éticas ou com o coletivo. Para isso, Soros propõe uma solução utópica e um pouco ingênua: que as pessoas separem seus papéis de participantes do mercado dos de agentes políticos -- ou seja, ajam em interesse próprio no que diz respeito a mercados e guiem-se pelo interesse público na política. Difícil acreditar que isso vai acontecer sem uma revolução ou uma quebra total do modelo atual.

Na última aula, Soros aponta para a necessidade de uma reforma no sistema financeiro, chamando os governos das principais potenciais para uma nova espécie de Bretton Woods, que tentaria chegar em um modelo de regulação global. Aqui vale novamente a observação acima: a necessidade do Bretton Woods original só foi percebida depois de um cataclisma; imagino que os países só vão deixar seus interesses atuais em busca de algum consenso quando o capitalismo parecer em perigo (mais do que esteve em 2008).

É difícil imaginar que Soros teria a mesma visibilidade atual caso tivesse optado, há mais de 50 anos, por seguir na carreira acadêmica e não tivesse se tornado um dos homens mais ricos do mundo. De qualquer forma, suas causas e idéias são muito interessantes e relevantes e, ao contrário de muitos teóricos, ele efetivamente coloca dinheiro nelas. Isso, junto com a maneira como ele tornou-se rico e influente (sendo um outsider, tomando riscos e, diferentemente de muitos "gênios" do mercado financeiro, sem depender de dinheiro de terceiros e da gentileza de governos), concede a ele uma autoridade que dificilmente é igualada no debate atual. Daí a relevância de The Soros Lectures.


The Soros Lectures, George Soros, 2010. US$ 11,54 na Amazon.

iWhat?

A Apple tem agendado para amanhã um "evento especial", que tem gerado páginas e mais páginas de especulações nos blogs geeks & afins. Para a turma do mercado financeiro, o interesse maior é saber se a empresa vai continuar com seu toque de Midas dos últimos anos, lançando produtos revolucionários (e os aperfeiçoando) em todos os segmentos em que atua. As ações da Apple atingiram seu nível mais alto na história em 18 de junho (perto do ponto onde, emblematicamente, ultrapassaram o valor de mercado da Microsoft), e têm andado de lado desde então.

A Apple tem sido a empresa- símbolo do mercado acionário pós-estouro da bolha do mercado financeiro, com seu modelo de criar e pesquisar nos EUA, produzir na China e vender para o mundo inteiro. Se suas ações não continuarem subindo, arrisco dizer que fica difícil ver uma recuperação mais consistente no mercado como um todo. Amanhã poderemos ter uma amostra dessa pequena teoria.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Mendeley, o organizador de trabalhos acadêmicos

Estava há um tempo para falar de um software que um amigo do trabalho me apresentou: o Mendeley Desktop, que é um organizador de metadata de trabalhos (papers) acadêmicos. O desenvolvedor compara seu produto ao iTunes, mas a informação sobre arquivos de música é algumas vezes mais padronizada do que a dos papers. De qualquer forma, vale experimentar: com um pouco de trabalho, dá para formar uma biblioteca de papers bem organizada e muito fácil de consultar.

Frase(s) do dia - Mundo de Fantasia

"... o principal problema com muitos países, e o Brasil é um exemplo, é que, quando as coisas começam a parecer bem, eles se tornam arrogantes. Passam a acreditar num mundo de fantasia.

Só porque o Brasil teve por um trimestre uma taxa de crescimento acima de 7%, o Brasil agora é a nova China e o Lula é um gênio das finanças, e todos os problemas anteriores não existem mais porque o Brasil é um país diferente."

Ricardo Hausmann, professor da Kennedy School of Government (Harvard), numa entrevista que está na Folha de hoje.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Som da Sexta - Abbey Lincoln

Abbey Lincoln morreu no último dia 14, aos 80 anos. Na sua carreira de mais de 50 anos, creio que o ponto mais alto foi a colaboração com o monstruoso baterista (e marido de Abbey de 1962 a 1970) Max Roach no início dos anos 1960, no lendário We Insist! Max Roach's Freedom Now Suite e o posterior Percussion Bitter Sweet. No vídeo, Abbey interpreta Freddom Day, segunda parte da Freedom Now Suite, de 1960.

Marcos Lisboa

Tinha falado do Marcos Lisboa no post sobre os programas de governo. O Mansueto Almeida recomenda a leitura do discurso que Lisboa pronunciou na cerimônia em que recebeu o prêmio de "Economista do Ano", pela Ordem dos Economistas do Brasil (é aquela mesma premiação que homenageou a Hebe Camargo, mas, relevemos, o que importa é o texto).

Os cronistas e o câmbio

Respeito os cronistas (aqueles de última página do caderno de entretenimento do jornal, que fique entendido. E o Tostão, que poderia ter esse espaço, mas, por conveniência, fica no caderno de esportes). Primeiro, eles escrevem melhor que eu. Segundo, pintam retratos ou paisagens de um lugar e uma sociedade, numa determinada época. E, quando tratam de economia, o fazem sem os vícios dos "entendidos", chamando atenção para questões que, de tão importantes, fugiram do Valor Econômico e do comentário da Miriam Leitão.

Semana passada, o Marcelo Rubens Paiva escreveu, no finalzinho de um post (ele está em Paris):

Havia 1 ditado para aqueles que viajavam para a Europa.

Não faça a conversão para não entrar em depressão.

Com alta do Real, o dito mudou.

Faça a conversão e esconda o cartão.

É tudo tão mais barato…

Reforço que ele está falando de Paris, e não de La Paz ou Bratislava. Muito bem.

No dia 13 de agosto, o Arthur Dapieve (O Globo) escreveu, sobre o mesmo tema, um texto tão bacana que vou colocar inteiro aqui, sem peso na consciência (se alguém reclamar, eu tiro):

Quem converte
Como não se divertir no Rio de Janeiro

Diz um adágio querido dos turistas brasileiros que "quem converte não se diverte". Ele remete ao tempo em que o cidadão tinha de forrar os bolsos, atenção, não as cuecas, com cédulas da débil unidade monetária vigente, doravante chamemo-la de caraminguá novo, para conseguir comer legalmente um cachorro-quente de rua em Nova York.

Ou seja, o cidadão tinha de fingir que os preços em Manhattan estavam na base do 1 a 1 com o seu caraminguá novo. Se efetuasse o câmbio na cachola, coitado, ele faria checaute no hotel imediatamente, iria dormir debaixo de uma marquise, jejuaria feito faquir e deitaria o polegar para pegar uma carona até o avião da Varig que haveria de resgatá-lo.

Entretanto, anos depois de o Plano Real ter debelado a hiperinflação, aposentando o caraminguá novo em 1994, houve um momento em que a moeda brasileira veio a valer mais que a moeda americana. Era estranho, e logo mostrou-se artificial e perigoso, bater perna pela Avenida Lexington e poder converter para baixo os preços nas vitrines.

Após o delírio sobreveio a maxidesvalorização de janeiro de 1999, e o brazuca teve de voltar a forrar os bolsos de reais para fazer compras na Bloomingdale's, mais ou menos como fazia nos tempos do caraminguá novo. Hoje, porém, de acordo com o Banco Central, o real está de novo sobrevalorizado, quase no mesmo nível de dezembro de 1998.

Comentários sobre as implicações político-econômicas disso ficam para gente mais sábia que eu. Interessa-me o aspecto comportamental, digamos assim. A sobrevalorização que faz o dólar flutuar em torno dos R$ 1,75 tem levado não apenas o turista, mas também o consumidor online, a se divertir pacas na hora de converter o preço das suas compras.

Atualmente, o risco de choque está em o cidadão converter o desatino de fazer a conversão cambial quando consome no próprio Brasil. Se ele pegar o preço em real e passar para dólar, ou até euro e libra, periga nunca mais sair de casa, tirar o computador da tomada e quebrar todos os cartões de crédito, antes, claro, de pedir asilo econômico na Bolívia.

O índice Big Mac foi criado pela revista britânica "The Economist" para comparar informalmente a situação do câmbio das moedas pesquisadas frente ao dólar. Nos EUA, o sanduíche que é o carro-chefe da cadeia de fast food custa US$ 3,73. No Brasil, sai por US$ 4,91 (ou R$ 8,65 pelo câmbio de quarta-feira passada). Na China, vale apenas US$ 1,95.

Os economistas saboreiam nisso mais um importante sintoma de que o real está sobrevalorizado enquanto o yuan está desvalorizado em relação ao dólar. Isso se reflete na baixa competitvidade de nossas exportações etc. Eu, eu não consigo pensar quando estou com fome. Gostaria de ao menos poder entupir minhas artérias por um preço decente.

O preço de uma refeição mais saudável, então, é o que realmente ameaça a saúde do desavisado que viear a converter a coluna em reais do cardápio para dólar ou euro ou libra. Veja-se, por exemplo, o preço de um singelo penne com cogumelos e presunto cru num restaurante bem classe média na Zona Sul do Rio: R$ 49. Dá US$ 28, € 21 ou £ 17.

Não sei como andam os preços nos restaurantes de Nova York. No entanto, sei que, por essa grana, num estabelecimento médio em Paris ou Londres, e perceba que me refiro a duas das cidades reconhecidamente mais caras do mundo, o cliente leva não só um penne com cogumelos e presunto cru mas também um beijo de língua da garçonete italiana.

Não pretendo vilipendiar os donos de restaurantes, que, como nós, arcam com o Custo Brasil. No caso, ele constiti uma salada de pesada carga tributária em cascata, altas despesas trabalhistas, burocracia, corrupção, incompetência, carência de infraestrutura para transporte de mercadorias, ausência de uma real economia de escala e, em muitas boas casas do ramo, uma pitada de puro capricho na hora de estabelecer a margem de lucro. Ou seja, nunca se come só o penne com cogumelos e presunto cru. Divide-se o nabo também.

Acredita-se que Estocolmo esteja entre as cidades mais caras do mundo, como Paris ou Londres. Bem, passei as férias lá. Eu e a Patroa concedemo-nos jantar num restaurante muito recomendado pelos guias e que por acaso ficava embaixo da nossa janela no hotel. Entradas, pratos principais, sobremesas, água mineral e vinho. A conta comunicou-nos 935 coroas. Assusta, né? Até converter e encontrar R$ 226. No Leblon, pagaríamos mais por menos. De fato, quem converte não se diverte, mas não do jeito que era antigamente.

Se me aferro a falar de comida é apenas porque, para mim, a correlação entre seus preço, qualidade e variedade estabelece um índice cristalino de civilidade. Se pensarmos a doida que deu na compra e no aluguel de imóveis, aí é que a coisa fica incivil, embora a comparação com o exterior ainda não nos seja desfavorável. Do jeito que tem proprietário pedindo X num dia para exigir X+80% no outro, contudo, chegaremos lá. Brasil-il-il!

Nos imóveis, além de todas as variáveis que perturbam a vida de quem come na rua sem exageros, ou compra discos e livros, agora incidem a falta de oferta, a libertação de áreas da cidade pelas UPPs, a presunção de ganhos sobrenaturais com a Copa do Mundo e as Olimpíadas etc. etc. A conta não fecha nunca. Encorpada, a classe média comprou baratinho o discurso do governo e tornou-se presa de suas próprias ilusões de grandeza.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Gordas, biquínis e investimentos

Uma brilhante reflexão para fechar o verão do hemisfério norte:

What Fat Ladies In Bikinis Taught Me About Investing

Brasil na The Economist desta semana

O Brasil-sil-sil está quente na The Economist que saiu hoje:

- Um longo texto trata do milagre da agricultura no cerrado;

- O BTG Pactual fecha uma série de perfis de instituições financeiras pós-crise.

Uma (longa e chata) análise dos programas econômicos dos presidenciáveis

Escrevi, duas postagens abaixo, que pretendia dar uma olhada nas propostas de política econômica dos principais candidatos à presidência (no meu entender, Dilma, Serra e Marina -- sorry, periferia) assim que eu criasse coragem. Comecei a tarefa hoje ontem, e, para minha surpresa, descobri que ela vai ser muito mais fácil do que eu imaginava (ops... estou revisando o texto e concluo que não foi nada fácil). Explico: dos três mencionados, até agora (faltando menos de 40 dias para o primeiro turno das eleições), apenas Marina Silva dignou-se a colocar na internet uma versão preliminar do seu programa de governo. Os demais candidatos devem achar o tema menos relevante, seja porque tem medo / vergonha de apresentar suas propostas, porque acreditam que não há muita coisa nova que mereça ser colocada no debate ou por qualquer outro motivo mais mundano. A seção "Propostas" do site da Dilma tem um texto de apresentação assinado pelo coordenador da comissão de programa de governo Marco Aurélio Garcia, que diz que "um produtivo debate sobre as questões mais importantes para o Brasil e o povo brasileiro está em curso" (sempre deveria estar, não?) e que "está sendo concluído um documento síntese com os compromissos da candidata". Esperamos, então. Ainda nessa seção, há um espaço para contribuições do internauta (a única sobre o tema "Política Industrial", por exemplo, pede socorro para a região da Nova Alta Paulista). No site do candidato do PSDB, o visitante também pode mandar suas idéias sobre "Temas Quentes", e a única contribuição de Serra (que só pode ser acessada depois de se preencher um cadastro pentelho e entrar para a lista de spam do partido) são vídeos curtos cujo conteúdo se resume a, como gosta de dizer um chefe meu, platitudes & generalidades. Sendo assim, vou comentar sobre o programa da Marina e tentar levantar algumas possibilidades dos programas de dona Dilma e seu Zé.

Marina Silva

O título da parte do programa da Marina que trata de economia é "Economia para uma sociedade sustentável", e quem deve estar por trás dele são os professores José Eli da Veiga (USP) e Eduardo Giannetti da Fonseca (ex-USP, agora Insper). O José Eli foi meu professor na graduação e deve ser um dos acadêmicos brasileiros mais qualificados em economia do desenvolvimento (é grande admirador do Amartya Sen) e no impacto que as mudanças climáticas devem ter na elaboração da política econômica. O Giannetti aderiu à campanha mais recentemente, e é um dos economistas mais "pops" do Brasil, por publicar livros de interesse geral pela Companhia das Letras e apresentar uma série sobre o valor do dinheiro no tempo no "Fantástico".

A introdução do texto reconhece que o objetivo maior da economia é "a progressiva capacitação dos cidadãos para vidas mais livres e dignas de serem vividas". Isso é 100% Amartya Sen (Desenvolvimento como liberdade). Se essa finalidade é impecável e inegavelmente progressista, os meios são mais vagos. A lista de medidas futuras tem 15 pontos, sendo o primeiro (talvez para não assustar) a manutenção do chamado "tripé" de metas de inflação, câmbio flutuante (com intervenções apenas para diminuir volatilidade) e política fiscal responsável. Este último seria a condição para uma queda nos juros, que é uma premissa bastante PUC-RJ (ou seja, conservadora). Novamente, pode ser para não assustar, mas não foge de nada do que foi feito nos últimos anos.

A parte que trata de infraestrutura talvez seja a mais interessante: diz que terá como prioridade o investimento em saneamento básico (o país ainda tem 35 milhões de pessoas vivendo em locais sem coleta de esgoto, é sempre bom lembrar) e que os investimentos em transporte deve ter ênfase em ferrovias e hidrovias. O programa chama diversas vezes a atenção para a transição para uma economia de baixo carbono -- ou seja, baseada em fontes de energia renovável, com menor dependência do uso de combustíveis fósseis. Mais uma intenção louvável -- há outras que não vou listar, como o incentivo a inovação, que são mais genéricas e consensuais.

O maior problema que encontrei no programa é, aparentemente, deixar o crescimento em segundo plano -- talvez por uma questão conceitual, porque o José Eli é um grande crítico de usar o PIB como critério de progresso econômico. Usando ou não o PIB, é preciso uma dose grande de otimismo para acreditar que o país vai conseguir se desenvolver com uma política econômica baseada principalmente em sustentabilidade. Seria o primeiro caso na história, e dependeria de uma grande mudança de paradigma (ou do jeito de medir o sucesso). Tenho a impressão de que todos os outros casos de desenvolvimento acelerado foram "sujos", ecologicamente falando. Juntando isso ao conservadorismo e a tendência a não fazer nada do país, fica difícil acreditar na viabilidade do projeto do PV -- que, reitero, parece ter o programa com as melhoers e mais definidas intenções finais. Com uma dose extra de pragmatismo, seria uma agenda excelente para o país no médio / longo prazo.

Dilma Rousseff

Este é o que realmente importa, já que as chances da Dilma perder a eleição parecem menores do que as do Rubinho vencer o campeonato de Fórmula 1. Muita gente fala que a Dilma vai mostrar as garras assim que eleita e implementar uma política econômica mais voltada para a, digamos, esquerda. Não sei bem no que isso implicaria na prática e não acredito nesse cenário. Por acaso ou não, Lula vai entregar o país com menos de 7% de desemprego, os menores juros da história recente, US$ 250 bilhões em reservas internacionais, o câmbio apreciado fazendo a festa da classe média, redução nos índices de desigualdade, dívida pública baixa, um crescimento decente, e por aí vai. A tentação de recorrer à máxima "em time que está ganhando não se mexe" é enorme, e acho que esse vai ser o cenário dos próximos anos, com algumas pequenas mudanças.

O principal formulador de política econômica de Dilma é o mesmo de Lula, o Palocci (e o economista favorito do Palocci é o Marcos Lisboa, que, até onde sei, está na diretoria do Itaú e meio ausente da vida pública). A religião do "tripé", deve continuar sendo seguida, e, segundo seu evangelho, o próximo passo rumo à iluminação é: "farás um ajuste fiscal e baixarás os juros gradualmente". Está com toda cara que essa vai ser a primeira canetada da Dilma assim que eleita: fazer um apertozinho nos gastos, o mercado vai acreditar, os juros longos vão cair, o Banco Central vai dizer que isso vai permitir que a inflação caia estruturalmente, o CMN vai definir uma meta de inflação menor para 2012 e, se tudo der certo, teremos finalmente os tão sonhados juros de um dígito (pelo menos) em tempos "normais". Provavelmente aí algum çábio vai descobrir que o problema do Brasil não se limitava aos juros, mas... uma coisa de cada vez. Podemos esperar também algum investimento em infraestrutura (o MÍNIMO de preparação para os eventos esportivos de 2014 e 2016), mas não apostaria em nada mais ousado do que a exploração do pré-sal. E é rezar para a China continuar crescendo a 10% ao ano e comprando o nosso minério de ferro a preços cada vez mais altos.

Esse cenário é de uma falta de ousadia que seria ideal para um escandinavo ou para o Japão, mas parece muito conformista para um país que ainda não conseguiu chegar nos US$ 10 mil de renda per capita (para não falar nos outros problemas estruturais que estamos cansados de ouvir a respeito). O cenário de "Everybody Loves Brazil" seria o ideal para alguma mudança mais profunda: o banco central poderia desafiar o paradigma de que é necessário manter o juro de um dia a mais de 10% para que a inflação não exploda, torrar algum dinheiro sério em obras de infraestrutura (sobretudo ligadas a transporte e saneamento), levar a sério a história das PPPs (alguém ainda lembra?), dar algum mandato para algum "desenvolvimentista" para ver se surge alguma idéia interessante... Acredito que, nesse sentido, a única iniciativa será feita via BNDES, do jeito torto que estou acostumado a criticar aqui. Claro que isso vai durar enquanto nenhuma crise fizer as reservas evaporarem ou algo do tipo, mas este texto não é para tratar disso.

José Serra

Eu tenho dito para um monte de gente que comete a insensatez de perguntar minha opinião que acho que o Serra faria muito bem para o país nos próximos anos (e já excluindo a parte política, de alternância de poder, etc). Ele parece ser um cara disposto a tomar um certo risco na economia, que acha que o país precisa de indústria para se desenvolver e que, sem a interferência do estado, estamos condenados a viver de crise em crise de escassez de dólares em função dos preços de commodities. Essa visão não tem nada de nova ou original: foi a que dominou o país por um bom tempo no século passado, até que o sonho acabou nas sucessivas crises de dívida externa desde o final dos anos 70 e foi enterrado com a implementação do real, em 1994.

Há quem ache que o jeito de fazer política econômica evoluiu, e que a forma de tentar fazer um país crescer via indústria, com presença do estado, é como escrever em uma Underwood depois do aparecimento dos computadores e processadores de texto. Claro que a história existe para que os erros do passado não se repitam, mas isso também vale para os lados ruins do chamado neoliberalismo, que não são poucos. E, como economia fora da academia não trata de ficar provando axiomas e demonstrando teoremas, resta aos formuladores de políticas experimentar, descartando o que o tempo provou que não funciona. Por que não tentar o que a evidência empírica e o tratamento estatístico de dados não rejeitou? No caso do Brasil, isso se traduziria em uma alternância entre "escolas de pensamento" (eu acho a academia brasileira em economia muito preguiçosa para poder usar esse termo sem as aspas): sairiam a PUC-RJ e a FGV-RJ, que estiveram no poder nos últimos 15 ou 20 anos, e voltaria a turma da USP, da Unicamp e das PUC e FGV de São Paulo. Isso implica em ter que aguentar o Bresser-Pereira dizendo que temos exemplos positivos para tirar da política econômica argentina nos últimos anos, mas, paciência, é o preço... Fecho aqui o parêntese teórico / ideológico.

O coordenador do programa econômico do Serra é o Gesner Oliveira, que é o atual presidente da Sabesp e professor da FGV-SP. Com todo o respeito ao Gesner, não tenhamos ilusões: o Serra é economista ("mas não fez graduação em economia..." - nem ele, nem um tal de John Maynard Keynes), tem idéias próprias e não deixaria ninguém que não concordasse com ele participar da formulação de política econômica do seu governo. Um governo Serra, imagino, também trabalharia por um corte de gastos correntes no início do governo, corrigiria a sobrevalorização do câmbio na porrada e tentaria baixar os juros antes de uma queda estrutural na inflação. Funcionaria? Não tenho a menor idéia, mas seria uma boa tentativa de tomar proveito de um mundo onde o Brasil é visto como uma futura potência e os governos têm licença para experimentar. Parece também melhor do que "colar" na China e apostar todas as fichas em commodities.

Como escrevi acima, dona Dilma parece estar perto de levar a eleição ainda no primeiro turno, e a tentação para mexer o mínimo possível no arranjo atual (pelo menos na política econômica) deve ser enorme (quem é mesmo o partido conservador?). Mais do que isso: um dos efeitos colaterais do relativo sucesso nos últimos anos pode ser a sensação de que achamos a "fórmula" para que o país dê certo. Para fugir desse engano, é necessária alguma coragem, que torço para que o próximo governo tenha, mas, sinceramente, não espero. Mudanças por aqui só aparecem com a corda no pescoço, quando as alternativas são praticamente inexistentes. Pior para nós.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Inaugurando a série "vergonha de ser economista no Brasil"

Corporativismo é odioso (clique para aumentar).


Em New York...

Podia ser em São Paulo, também. Via The Big Picture.