Hoje, 20 anos depois, considero um indicador claro de amadurecimento perceber que quem estava certo memo era Nelson Rodrigues – que, além de aconselhar escrotinhos de 17 anos a envelhecer, dizia que "sem sorte não se chupa nem um Chicabon. Você pode engasgar com o palito ou ser atropelado pela carrocinha." Meritocracia só opera (quando opera) depois que uma série de possíveis azares, de difícil ou nenhum controle, são superados. Cada história de sucesso é um pequeno milagre probabilístico. Ou, como gosta de dizer um amigo, de forma mais eloquente e elegante, "o acaso é foda."
O produto de uma simulação está no gráfico acima. A direção dos resultados é intuitiva: quanto maior o peso da sorte, maior a probabilidade do vencedor não ser o que tem a melhor combinação de habilidade e esforço. E, dentro do mesmo nível de sorte, quanto maior a amostra, maior o peso da sorte – maior a probabilidade de um embate entre dois competidores com níveis equivalentes de habilidade + esforço ser decidida pela sorte. O que surpreende é quão frequente a parada é resolvida pelo acaso: em torneios com 100.000 participantes, em pelo menos 68% dos casos o vencedor não será o mais habilidoso/esforçado. Essa proporção sobe para mais de 90% quando a sorte determina apenas 10% do resultado na maior amostra testada.
Mais recentemente, três pesquisadores italianos (dois físicos e um economista), partindo de uma ideia semelhante, propuseram um modelo ainda mais sofisticado e realista: para uma população de 1.000 pessoas dotadas de 10 unidades, distribuídas aleatoriamente (seguindo uma normal), de "talento", simularam uma carreira de 40 anos. A cada seis meses, cada pessoa é exposta, também aleatoriamente, a eventos de sorte ou azar, que, respectivamente, dobram ou reduzem pela metade, como proporção ao talento, uma medida de sucesso (também configurada inicialmente com 10 unidades).
Passados os 40 anos, eis os resultados: primeiro, a distribuição de sucesso deixa de ser normal (concentrada em torno da média e com poucos resultados muito divergentes) e passa a seguir uma lei de Pareto, com alta desigualdade (ver a figura abaixo). Menos de metade da população termina com mais que os 10 "sucessos" iniciais, e os 20 indivíduos mais bem-sucedidos concentram 44% do sucesso total. Segundo, como nas simulações de Frank, raramente os mais talentosos terminam melhor. O acaso atropela as condições iniciais com frequência.
Pluchino, Biondo e Rapisarda ainda fazem outros simulações para avaliar a eficiência de diversas estratégias de financiamento e a influência do ambiente em termos de oportunidades para os indivíduos, também com resultados interessantes, mas não quero me alongar (mais) aqui. Minha conclusão é que, sobretudo em ambientes complexos e altamente competitivos, onde muitas pessoas qualificadas disputam algo, devemos aplicar uma alta dose de compaixão. A diferença entre quem é lembrado e quem é esquecido e deixado para trás pode ser nada mais que um atraso por conta do trânsito, uma dor de estômago, uma briga com o marido, uma chuva que fez um avião não decolar na hora esperada, uma folha de respostas de vestibular perdida num assalto.