quarta-feira, 18 de julho de 2012

Pensando alto sobre mercados

Este é um post para a categoria "notas mentais", não deve interessar a muita gente. Aí vai...

- Minha hipótese geral para o resto do ano é que a crise na Europa já está (i) bastante incorporada nos preços de mercados e (ii) sendo endereçada, entre trancos e barrancos e com todas as limitações da coordenação política do continente.

- Se isso está certo, boa parte do pessimismo que paira sobre os mercados hoje não se justifica - o que implica um viés mais otimista para os ativos "de risco". Minha opinião é que nenhum banco europeu vai quebrar - das coisas mais incríveis que aconteceram neste ano foi o controle de uma corrida bancária na Grécia e, em alguma medida, na Espanha. Achei que isso poderia quebrar o euro; de algum jeito, conseguiram substituir depósitos e emissões de curto prazo por linhas contra bancos centrais e destes contra o ECB, tudo isso sem provocar pânico na população. Incrível.

- Nada disso implica que a crise está resolvida e que entraremos numa fase de bonança. Se tudo der muito certo, os EUA não entrarão novamente em recessão, a Europa começa a se recuperar (basta a economia voltar a funcionar, em alguns casos) e os dois migram para uma "japanização" - baixo dinamismo, elevados estoques de dívida e população envelhecendo com dignidade. No Japão, esse cenário foi péssimo para as companhias, bom para renda fixa (juros muito baixos por décadas) e positivo para a moeda. Se tudo der errado - bem-vindos a 2008, com alguns twists.

- Os títulos de renda fixa de países vistos como "solventes" operam nos níveis de juros mais baixos da história, em muitos casos com uma remuneração pífia para o risco envolvido. Podem ser uma boa opção de investimento ex-post (como foram os títulos do Japão nos últimos 20 anos), mas, com a informação que se tem hoje, acho uma loucura emprestar dinheiro por dez anos para qualquer governo a menos de 2% ao ano nominais. Não precisa muita besteira para anos desse rendimento serem varridos.

- Mercado atribui probabilidade elevada a um cenário de deflação, o que seria condizente com a "japanização". Ainda assim, acho que o o risco é menor do que o precificado e que muitas divergências devem aparecer. A que me parece mais óbvia: juros longos na Alemanha são menores que nos EUA, mas acredito que a evolução do cenário na Europa fará com que o país assuma parte da dívida dos países periféricos e piore sua capacidade de pagamento - o que deveria levar a juros maiores. Caso isso não aconteça, juros na Espanha deveriam subir muito.

- Aqui no Brasil, acho que, salvo tudo dando errado no mundo, o ciclo de corte de juros do BC está perto do fim - talvez o mercado já tenha começado a precificar isso, com a curva de juros devolvendo parte da alta na inclinação dos últimos meses. Ainda assim, ainda há várias medidas que o governo pode tomar na direção de tirar alguns pontos da inflação - a mais evidente hoje parece a tarifação de energia elétrica. Difícil ir contra esse tipo de movimento. De fato Dilma chegará nas eleições com 2% de juros reais (ao menos medidos pela Selic) - promessa de político que virou realidade, espécie rara.

- O câmbio reais / dólar parece algo controlado pelo BC, num intervalo entre 1,90 - 2,10. A depreciação ano ano, até agora, já paga quase todo o diferencial de juros Brasil - EUA, o que deve deixar os felizes proprietários de cotas de fundos cambiais relativamente tranquilos. No médio / longo prazo, o real deve seguir enfraquecendo. O grande risco de descontinuidade segue sendo um problema na China que cause um choque adverso nos termos de troca. Um dia vai acontecer, mas muito difícil prever o timing.

- Escrevi várias vezes no Twitter que é quase impossível olhar a composição do Ibovespa e se animar a comprar o índice (claro que sempre há espaço para stock picking, mas essa não é muito minha praia). O índice é 13% petróleo (além do risco do preço, o da exploração), 13% minério de ferro (mais exposto a China, impossível), 12% bancos (na fase ruim do ciclo de crédito), algum peso de siderúrgicas (acho dos piores negócios para o futuro) e construção civil (vale a mesma observação dos bancos). Não temos nenhum varejista com peso relevante, nada de tecnologia, muito pouco de alimentos / bebidas... Excluindo a alta do início deste ano, o Ibovespa há quase dois anos não vai a lugar nenhum ou escorrega para baixo; não seria surpresa se ficasse mais dois anos assim. O risco de descontinuidade é o mesmo do câmbio, com mais alavancagem.

- Em resumo, o cenário macroeconômico é uma merda, com riscos enormes para todos os lados. Acho que, para a maior parte dos investidores, não é hora de tentar ser herói e buscar grandes ganhos, haverá oportunidades para isso no futuro. No curto prazo, dá para fazer um caso contrário razoavelmente otimista, mas altamente especulativo e com assimetria de risco / retorno não muito boa. Trabalho para profissionais (ou cowboys). O que acho notável, e muitas vezes não é evidente, é que os mercados estão escalando um muro de preocupações bastante grande, isso por si só deveria ser uma indicação positiva (ou ao menos para menos pessimismo).

- No geral, acho que não mudaria a maior parte das "previsões" que fiz no início do ano. Ia revisitar uma por uma, mas deu preguiça... faço isso em dezembro. De qualquer maneira, a previsão que mais importa eu já acertei.

- Para uma visão com mais informação e menos falação, recomendo muito este post do Humble Student of the Markets.

10 comentários:

Anônimo disse...

Excelente post, mas eu acredito que o BC não suporte até o fim do ano e o dólar vai ficar em 2.20 a 2.10.

Até para dar uma ajuda na queda dos preços das commodities, agora se o governo quiser perder divisas e criar perdas para um setor importante politica e economicamente...

Abs,

Marcelo

Drunkeynesian disse...

Obrigado, Marcelo. BC hoje parece ser de longe maior player do mercado, acho que uma derrota dele levaria o câmbio muito mais pra cima, mas não vejo isso acontecendo nos próximos meses...

Anônimo disse...

Drunk,

grande numero de acertos ... em especial o corinthians, a ogx e o cambio.

abs

Drunkeynesian disse...

Tem 5,5 meses ainda... bastante tempo pra tudo virar erro (menos o Corinthians) :)

Anônimo disse...

Ué, mas o câmbio não é (ou era) flutuante?! O Bacen brasileiro diz uma coisa e faz outra?

Drunkeynesian disse...

Bom... o câmbio na China também é flutuante:

http://drunkeynesian.blogspot.com.br/2011/02/frase-do-dia-flutuacao-muito-suja.html

Dawran Numida disse...

Pois é. Segundo altas autoridades da área econômica e do governo (Executivo) "câmbio flutuante, flutua". Isso para responder a questionamentos de analistas, comentaristas, mercado e/ou de industriais.
Além do aumento de reservas, agora parece muito mais claro que, se for flutuante, o câmbio teria alguma banda, mantida por compras e vendas da autoridade monetária.

Anônimo disse...

O que chamou a atenção é a pouca ou quase nula reação dos preços das ações à queda selic. Tem explicação?

Drunkeynesian disse...

Dá pra achar que teriam caído mais se não fosse a queda da Selic. A outra, mais provocativa, é achar que a Selic tem pouca relação com os lucros das empresas.

Anônimo disse...

Numa economia verdadeiramente de mercado se espera que a Selic (taxa básica) tenha pouca relação com os lucros das empresas. Basicamente, porque o lucro seria o resultado do que a empresa agregou de valor para a sociedade.
Concordo, os preços teriam caído bem mais não fosse a queda da Selic. Na falta de alternativas de papéis no mercado, os agentes permanecem com as ações.