segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Estado grande: a volta do mamute (ou: o triunfo do lulismo)

Se me pedissem para destacar duas características (que não necessariamente são qualidades) do presidente Lula, eu diria: oportunismo e sorte. Outras podem ser mais marcantes e até definí-lo melhor, mas sem essas provavelmente ele estaria numa situação bastante diferente da que vive agora.

A sorte, como já falei aqui em outras oportunidades, foi a de ter governado o Brasil em uma conjuntura absolutamente favorável. Primeiro, foi eleito com o mercado financeiro no fundo do poço, com juros muito altos e preços de ativos bastante depreciados -- uma melhora desse ponto é mais provável e mais acentuada do que se tudo estivesse na calmaria. Depois, desfrutou de anos de alta em preços de commodities, e consequentes apreciação do câmbio, queda nos juros, aumento das reservas internacionais, inflação relativamente controlada, investment grade... Com o petróleo perto da máxima histórica, a Petrobras descobriu uma das maiores reservas do mundo. Quando veio a crise, esta atingiu primeiro e mais fortemente os países e empresas muito alavancados -- sendo que o Brasil, por razões históricas (e não por mérito) é, provavelmente, a economia grande menos alavancada do mundo. Para completar, a recuperação da crise tem sido marcada por uma alta generalizada em preços de ativos, e a ciranda favorável para o Brasil segue rodando. Com toda essa combinação, é preciso ser muito cético para não achar que Lula tem algum mérito. Certamente ele tem, mas ele é muitas vezes menor que a simples e pura sorte do presidente (sim, sou um cético).

O oportunismo foi, até há pouco, político. Lula tem a incrível capacidade de estar ao lado de todos e contra ninguém. Seus aliados podem ser derrubados, mas Lula nunca tem nada a ver com isso, nem sequer sabia do que acontecia. O investidor Jeremy Grantham já chamou os apadrinhados de Robert Rubin de "teflon men". Se ele acompanhasse a história de Lula, provavelmente teria que redefinir o termo.

Tudo isso para falar que, aparentemente, estamos entrando numa nova era de oportunismo, desta vez no campo econômico. Pois a crise danificou muito a idéia de livre mercado, e agora dá vez novamente aos partidários do "estado grande". E é muito fácil (e conveniente) encaixar o Brasil nesse contexto: saímos rápido da crise porque o governo foi prudente na euforia e investiu e aumentou os gastos quando todos estavam apavorados. Portanto, quem sabe quando, quanto e onde investir é o sábio Estado. Fora com os especuladores gananciosos e empresários covardes.

A interpretação pode parecer exagerada, mas veja esses trechos da entrevista de dona Dilma na Folha de ontem (se achar que estou sendo viesado na escolha das frases, vejam a entrevista completa aqui):



O que se viu no mundo nos últimos tempos é que a tese do Estado mínimo é uma tese falida.

FOLHA - Nacionalista vocês aceitam. E estatizante?

DILMA - Se é o aumento da capacidade de planejar o país, de ter parcerias com o setor privado, de o Estado ter se tornado o indutor do desenvolvimento, concordo.

O presidente ficou chocado com empresas que demitiram bastante na crise sem ter consideração pelos empregos do país.

Não se trata de prejuízo, se trata do tamanho do lucro, a mesma coisa da Petrobras. O que vale para a Petrobras vale para a Vale.


(A Vale, como sabemos, é uma empresa privada.)



Agora é hora de fazer investimento. Quem tem investimento e parou por conta da crise deve retomar. Investimentos agora vão durar três ou quatro anos e esse é o tempo que eu trabalho para que a União Européia comece a sair da crise.

Hoje poderia ser afirmada aqui que acabou definitivamente a empáfia nesse país. Aquela empáfia que tinha o governante, que achava que sabia tudo, do ministro da Fazenda que fazia um pacote atrás do outro, acabou a empáfia dos empresários que achavam que o Estado não valia mais nada, e eu penso que acabou a empáfia de uma parte da imprensa que achava que achava que com suas manchetes podia criar o clima que quisesse na sociedade.


Para quem acompanha o que escrevo, é quase desnecessário dizer o quanto acho perigosa essa idéia de "Estado grande" ganhando força. Lula está errado. Pode ter acabado a empáfia de alguns empresários, mas a empáfia do governo só aumenta. Lula e o PT estão aproveitando o momento da economia para enfiar goela abaixo do país a noção de que é necessário aumentar a influência econômica do Estado, que concentrar as decisões de investimento é bom e que um time de burocratas pouco preparados pode substituir o mercado. Há, novamente, a chance de que a sorte de Lula se estenda pelos próximos anos e que o Brasil entre num ciclo de prosperidade forte a ponto de diluir as barbaridades e ineficiências de uma economia dominada por políticos. Mas há, também, uma concentração de poder, que é exatamente o que a democracia tenta evitar. E há o risco de desastre, como a história já mostrou em tantos outros casos de economias controladas por planilhas manipuladas com arrogância, pretensão e pouco respeito a opiniões divergentes. Me abstenho de fazer previsões, mas fica aqui a justificativa da minha preocupação.



A ilustração foi roubada do cartaz do ótimo documentário brasileiro "Soy Cuba - O Mamute Siberiano", de Vicente Ferraz.

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