quarta-feira, 29 de agosto de 2012

QE or not QE?

Jackson Hole, sem Bernanke
Na próxima sexta-feira, espera-se que Ben Bernanke faça um discurso no simpósio anual do Fed de Kansas City, realizado no Buraco do Filho do Jão (vulgo Jackson Hole), um lindo vale no estado de Wyoming (uma vez, durante uma viagem, conheci um casal que vivia lá; ficaram muito espantados ao saber que eu já tinha ouvido falar - economistas...). Faço uma pausa, primeiro, para pensar sobre a situação: o mundo vai parar para ver um presidente de banco central falar em um simpósio acadêmico (foi criado para que economistas do Fed apresentassem seus trabalhos de pesquisa, inicialmente com foco em agricultura, depois abrindo para macroeconomia e finanças). Com base no que ele falar (ou não falar), milhares de participantes do mercado financeiro vão tomar decisões especulativas que, potencialmente, vão mudar o rumo dos preços de ativos para os próximos meses. Não importa muito se o que ele anunciar vai ter real impacto na economia e nos lucros das empresas, o que vale é a "sinalização" e a reação dos animais pavlovianos por trás das mesas de operações. Graham e Dodd se reviram nas respectivas tumbas; Keynes provavelmente ficaria espantado ao ver como o "concurso de beleza" hoje está resumido, grosso modo, a adivinhar o que (e quando) bancos centrais vão fazer.

A dúvida, neste caso, é se os indicadores da economia americana justificam mais um festival de impressão de dinheiro, sob o nome sofisticado de quantitative easing. A turma "pró-QE" alega que a economia ainda está muito frágil, com baixa criação de empregos, pouca criação de crédito e "espíritos animais" muito contidos. Se muito pouco é feito pelos políticos para estimular a demanda, que pelo menos o Fed faça sua parte. Os "anti-QE" (contem-me entre esses) podem dizer que os juros já estão no nível mais baixo da história, que não há ameaça deflacionária (o indicador mais confiável que conheço, a taxa forward de  inflação cinco anos x cinco anos, está bem acima do limite de 2%, que, quando ultrapassado para baixo, antecedeu o QE2 e a Operação Twist), que a medida pode afetar o resultado das eleições presidenciais e que é necessário deixar os mercados funcionarem, sem ameaça constante de intervenções que não se provaram inequivocamente efetivas no passado.

O duplo mandato do Fed e a credibilidade (merecida ou não) conquistada por Bernanke nesses anos de crise tornam plausível qualquer escolha. Desanima ver toda as atenções e discussões voltadas para política monetária, que se tornou a única ferramenta de intervenção viável e aceitável. Desanima ver o ceticismo do mercado, que sabe que os fundamentos no mundo desenvolvido são desanimadores e vem sendo guiado pela expectativa de muito ou muito mais tempo de dinheiro barato. Estranho o mundo onde ainda predomina a narrativa do laissez-faire, mas que aceita de bom grado intervenções que acabam por distorcer (e não raro fixar) preços de mercado.

19 comentários:

Anônimo disse...

belíssimo post. Top 10 desse renomado blog. Espero que não venha o QE3 e espero que a gente consiga evoluir no sentido de que a Convenção de Jackon Hole de 2016, passe despercebida

abraços

teco

Anônimo disse...

Bola de cristal para saber o que o mercado precificou....

Drunkeynesian disse...

Mercado parece bem dividido e sem grandes convicções...

Anônimo disse...

Com o debate fiscal impedindo outras ações, tem analista pedindo QEs para garantir que o futuro americano não seja japonês, qualquer inflação abaixo de 4% não garantiria a fuga da cenário nipônico. O duro é não tiveram tempo para testar em laboratório antes este tipo de intervenção.
Ed

Drunkeynesian disse...

Testaram, o problema é que toda análise dos resultados é baseada em contrafactuais ("se não tivesse QE2 a economia teria entrado no buraco", etc...)

Anônimo disse...

Cara, a crise não lhes ensinou nada? Não bastava 1929, agora 2008, para ensinar vocês economistas que (i) um Banco Central jamais deveria permitir quedas abruptas de demanda agregada; (ii) um Banco Central deve sempre ACOMODAR esses desvios abruptos da trend (5% de crescimento anual do PIB nominal, durante as duas décadas da Era Greenspan); (iii) um choque como o de 2008, ocasião em que se verificou a maior quebra de tendência de crescimento de PIB nominal desde a era Hoover, obviamente vai gerar uma puta recessão, uma pequena depressão; (iv) o Banco Central tem INSTRUMENTOS INFALÍVEIS de estímulo da demanda agregada; se eles quiserem evitar deflação ou fixar um número X para o PIB nominal, ninguém é capaz de impedi-lo (ver metáfora do BC como Chuck Norris: http://worthwhile.typepad.com/worthwhile_canadian_initi/2011/10/monetary-policy-as-a-threat-strategy.html ); (v) não existe instrumento melhor para estimular demanda agregada do que política monetária: política fiscal é ferramenta grosseira, que desperdiça recursos, vulnerável ao populismo de políticos; (vi) países como Israel e Austrália, que utilizaram seus Bancos Centrais para acomodar a queda abrupta de demanda agregada, se deram muito bem: http://esoltas.blogspot.com.br/2012/06/israel-targets-ngdp.html ; (vii) QE é só uma tentativa patética, anêmica, de fazer expansão monetária, algo que poderia ser feito melhor e mais limpo com mero manejo de expectativas (ver a metáfora do BC como Chuck Norris, linkada acima); (viii) mas pelo menos é uma tentativa, e essa obsessão hard money demonstrada pela maior parte dos economistas hoje em dia mostra apenas que vocês não aprenderam nada, e nunca poderam sonhar com a humildade tecnocrática e eficiente tão bem exemplificada pela nobre profissão odontológica.

Drunkeynesian disse...

De onde se conclui que, já que há "INSTRUMENTOS INFALÍVEIS" de estímulo da demanda agregada, que a maioria dos bancos centrais do mundo é liderada por imbecis?

No meu entendimento, parte importante da "humildade tecnocrática" seria reconhecer a impossibilidade de determinar de forma "infalível" a taxa de crescimento de uma economia. Isso não tem nada a ver com "hard money".

Anônimo disse...

Olá Drunk,

Não entendi qual é o problema com os contrafactuais...

"(...) o problema é que toda análise dos resultados é baseada em contrafactuais (...)"

Abçs
DMC

Anônimo disse...

Sim, você está certo: a maior parte deles, ou os mais importantes ao menos (Japão, Europa, Estados Unidos) é de fato liderada por imbecis. Mas imbecis da unanimidade, que segue o consenso profissional, que por sua vez não vê a necessidade de estímulo monetário em economias deprimidas. Vejamos o caso dos Estados Unidos: o desemprego encontra-se -- e já há vários anos -- muitos pontos acima da meta tácita de 6%; a inflação, por outro lado, está abaixo da meta tácita de 2% (a taxa média da Era Greenspan, unanimemente reconhecida como razoável) pelo mesmo período de tempo. Em qualquer lugar são, esse seria forte indicativo de que a autoridade monetária deveria promover uma expansão monetária, até que a taxa de desemprego baixasse para números mais normais. Mas o que vemos, efetivamente: pessoas confundindo "juros próximos de zero" com política monetária expansionista, quando o grande Milton Friedman há décadas nos alertou que taxa de juros é péssimo indicador da condição da política monetária. Aliás, ele chamou esse erro que você acabou de cometer em seu infeliz post de "falácia das taxas de juros". Velhas falácias, porém, não morrem jamais, como ele próprio, resignadamente, reconheceu.

http://macromarketmusings.blogspot.com.br/2012/07/remember-real-milton-friedman.html

Milton Friedman: Yes, indeed. As far as Japan is concerned, the situation is very clear. And it’s a good example. I’m glad you brought it up, because it shows how unreliable interest rates can be as an indicator of appropriate monetary policy. During the 1970s, you had the bubble period. Monetary growth was very high. There was a so-called speculative bubble in the stock market. In 1989, the Bank of Japan stepped on the brakes very hard and brought money supply down to negative rates for a while. The stock market broke. The economy went into a recession, and it’s been in a state of quasi recession ever since. Monetary growth has been too low. Now, the Bank of Japan’s argument is, “Oh well, we’ve got the interest rate down to zero; what more can we do?” It’s very simple. They can buy long-term government securities, and they can keep buying them and providing high-powered money until the high powered money starts getting the economy in an expansion. What Japan needs is a more expansive domestic monetary policy.

Drunkeynesian disse...

DMC, o problema dos contrafactuais é que não podem ser refutados, já que não há como testá-los no lugar do que foi feito. Por definição argumentos baseados neles são mais fracos.

Concordo que juros baixos não são sinônimos de política monetária frouxa, mas, de novo, o que garante que mais afrouxamento levaria a mais crescimento, sem efeitos colaterais indesejáveis (os monetaristas de mercado vão dizer que o mix de inflação / crescimento é indiferente desde que o PIB volte para a tendência, mas imagine o efeito na população se o crescimento real for pior e a inflação subir)?

Política monetária não é silver bullet. Muita coisa acontece na economia de forma quase indiferente ao que os BCs estão fazendo. O canal de crédito só vai voltar a funcionar quando a desalavancagem estiver perto do final, quando as empresas e consumidores voltarem a acreditar que é possível entrar em dívidas com expectativa de fluxo de caixa positivo.

Anônimo disse...

from bubble to bubble, esse parece o problema. A economia americana parece nao saber o que eh viver sem uma bolha fazem mais de 10 anos. Parece um drogado que nao consegue viver mais sem a droga. E o BC eh o dealer que de tempos em tempos aparece para suprir o drogado. Para ser mais exato, o FED fica entre o dilema de deixar o paciente na depressao da abstinencia ou prover mais droga. Se ao menos o gasto fiscal pudesse ajudar no tratamento esse dilema seria um pouco mais facil. Mas nao eh o caso.

Anon1

Anônimo disse...

Drunk, concordo com que escreveu no seu ultimo paragrafo das 14:19...gosto muito da frase que resume isso da seguinte forma, " voce pode levar o cavalo para beber agua. agora , se ele vai beber eh outra historia"

mas anyway, coloquem-se no lugar dos preisdentes de BCs...imagine um presidente de BC com a mentalidade (muitas vzs certa) do Jim Rogers, do tipo deixem quebrar as empresas, eh saudavel. Politicamente inviavel

Anon1

Drunkeynesian disse...

Andrew Mellon: "liquidate labor, liquidate stocks, liquidate farmers, liquidate real estate… it will purge the rottenness out of the system. High costs of living and high living will come down. People will work harder, live a more moral life. Values will be adjusted, and enterprising people will pick up from less competent people."

Isso foi dito no meio da Depressão, e há grande consenso que é o pensamento "errado". Mas confesso que simpatizo mais com essa visão do que com a de que não pode deixar ninguém quebrar, ou que resgatar o setor privado é melhor do que estatizar.

Dawran Numida disse...

O melhor é evitar o caos.
Ai é que está o dilema.
Um novo QE seria mais um degrau para o caos. Não resolveria o problema dos EUA e nem da Europa, da ZE e do Japão.
Ainda mais num momento em que há escassez de bens de primeira necessidade e matéria-prima de ração animal.
Com mais liquidez no mercado, isso tenderia a ser magnificado.

Anônimo disse...

Não seria saudável aumentar os gastos governamentais com infraestrutura, educação, saúde e produtivos? Visto que os Eua conseguem captar dinheiro de graça do mercado. Por mais que aumente sua dívida ela está muito mais sustentável que a brasileira por exemplo... Momento de reforma e ajuste deveria ser no ápice do crescimento e não na crise, certo? O problema dos Eua me parece ser mais político a econômico. Falta de vontade dos Republicanos para tentar fragilizar a economia, e assim, só assim conseguirem reverter o resultado das eleições. Diminuir o endividamento sem prejudicar o crescimento parece ter uma única solução, aumentar imposto sobre patrimonios e sobre os ricos. Aliviando pressões sobre o trabalhador e consumidor norte americano, por isso me parece ser um problema mais político a econômico, cabendo mais ao congresso e menos ao Banco Central. Em setembro (senão me engano) do ano passado saiu uma edição especial muito boa da Harvard Business Review sobre a economia norte americana, em uma visão do empresariado norte americano, me pareceu muito claro o quadro atual da economia e sua dinamica recente. O quadro do desemprego é o grande desafio da economia, pois o investimento inculsive privado cresceu muito em valores pelas empresas desde 2008, mas a grande maioria esmagadora é invesimento em tecnologia pra produção, e a grande estrategia das empresas é reduzir o numero de trabalhadores e aumentar a mecanização da produção, chegando a níveis japoneses (assustador pra uma economia do tamanho da norte americana). Ou seja, o salário e o emprego não aumentam, mas a produtividade e a produção sim. Aí mora o desafio da nova economia norte americana, que passa a abandonar alguns países subdesenvolvidos que não possuem um quadro tão favorável como antes para suas empresas, voltando sua produção interna mas com alto nível tecnológico. Então cabe ao Estado e setor de serviços tambem resgatar esses empregos perdidos na industria, até que possam a voltar em níveis altos puxados pela volta do alto consumo das familias, e isso pode vir com educação e com contratação do governo para que desempenhem outras funções que possam ser produtivas ao estado, policiais, bombeiros, professores. Mas a medida que vem sendo tomada vai na direção contrária a isso.

Abraços Leonardo.

Anônimo disse...

Continuando...

Sempre vou crer no papel de nós economistas e na ciência que estudamos pra resolver os problemas de sua competência...

Leonardo

Anônimo disse...

Isso é um erro, confundir problemas de administração de demanda agregada, com política fiscal meritória. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O problema de desemprego persistente e inflação abaixo da meta nos Estados Unidos não é culpa dos Republicanos, mas do Barack Obama, mesmo, que desprezava tanto o poder da política monetária que deixou vários assentos da diretoria do FED vagos pela maior parte do mandato dele. Além disso, reconduziu o Bernanke, que já tinha deixado bem claro que estava disposto a fornecer apenas o nível de estímulo monetário necessário para evitar deflação e outra quebradeira no sistema financeiro, não mais do que isso.

Olha, eu entendo que pessoas achem que o momento de juros baixos seja o ideal para os Estados Unidos saírem pegando emprestado e investindo em sua "combalida" (para os padrões deles, claro) infraestrutura. Mas esse é outro argumento: política fiscal é melhor aquilatada por meio de uma análise custo-benefício de cada projeto, sendo que os juros baixos do momento atual certamente contribuem para aumentar o mérito de investir em infraestrutura agora. Mas é esse o ponto: a "vantagem comparativa" da política fiscal não é sua utilização como sucedâneo de política monetária anêmica. Quanto antes os economistas abandonarem essa noção primitiva de política fiscal (i.e. como ferramenta de administração da demanda), menores as chances de repetirem-se vexames como 2008, ocasião em que Obama queimou uma parte imensa de seu capital político num estímulo fiscal (ARRA) que depois queimou seu filme, ao mostrar-se tão ineficaz. Uma boa dose de sinalização do FED de que toleraria inflação mais alta pelo período de catch up teria sido muito mais eficiente, "limpo" e menos caro politicamente ao Obama, que sofreu aquela derrota histórica nas eleições midterm de 2010.

(E please: não culpem os "Republicanos" pela democracia americana: o obstrucionismo atual House of Representatives foi DESEJADO pelo eleitorado, que fez trocar de partido quase sessenta cadeiras daquele corpo legislativo. O próprio Obama teve de admitir, constrangido logo após essas eleições, que "recebera" a mensagem.

Anônimo disse...

Fudeu

Delfim Bisnetto disse...

Acho que Bernanke vai rodar a maquininha de novo...

BC dos EUA reafirma que pode agir, mas não anuncia medidas concretas

http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2012/08/31/bc-dos-eua-reafirma-que-pode-agir-mas-nao-anuncia-medidas-concretas.jhtm