sexta-feira, 29 de junho de 2012

Ai-que

Eike dureza ter que olhar de novo
pra essa capa ridícula...
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Ontem o Arthur M. me mandou um e-mail perguntando se eu não ia escrever nada sobre a, digamos, maré de azar nas empresas do grupo X (considerando o meu muitas vezes manifestado ceticismo com relação a esses negócios). Eu respondi que não pretendia porque: primeiro, não entendo quase nada de petróleo - a maior queda (perda de metade do valor de mercado neste mês) foi da OGX, em teoria provocada por um corte de estimativa de produção em uma das áreas de exploração e; segundo, ainda era cedo para declarar Eike e suas empresas uma fraude completa. Isso foi enquanto a queda da OGXP3 no pregão era de "apenas" 7%. No fim do dia acelerou para quase 20%, a MMXM3 caiu outros 17% e fiquei com a impressão de que, na melhor expressão da célebre frase de Dornbusch, as coisas poderiam estar acontecendo mais rápido do que qualquer um poderia imaginar.

Eike é o arquétipo da ilusão do "Brasil que deu certo", que conseguiria enriquecer em uma geração com um modelo baseado em pouco mais do que exploração de commodities e a crença de que os termos de troca nunca voltariam a piorar. A genialidade de Eike foi perceber que o mundo havia se convencido dessas falácias, e que empresas pré-operacionais, com todo o risco associado a esse estágio do negócio e à exploração de commodities, poderiam ser vendidas como empresas maduras, cash cows em plena operação. Acho que o ajuste dos preços de mercado neste mês (que não sei se já terminou - de qualquer forma, o mês útil termina hoje) reflete a reversão dessa ilusão, e as empresas serão reprecificadas de forma a refletir melhor a realidade, não a expectativa de um futuro onde tudo deu certo. Uma próxima reprecificação pode ocorrer se o mercado se convencer de que alguns dos projetos vendidos são fraudes e que o investimento será perdido; não os conheço a fundo para saber se isso vai acontecer, ainda que não me pareceria uma grande surpresa. Ecoa na minha cabeça a frase que ouvi do professor L. Randall Wray em um seminário, há alguns meses: "nada é mais lucrativo que fraude". É possível que a loucura com o caso do Brasil tenha chegado a um ponto em que as expectativas exageradas de lucros só poderiam ser correspondidas com a venda de fraudes, com todas as letras. O próximo par de anos deve ser um bom teste para essa tese.

Um outro aspecto pernicioso do "fenômeno Eike" é o uso de sua história como modelo de gênio capitalista visionário - nada é mais ilustrativo disso do que a ridícula capa de uma edição de janeiro deste ano da revista com maior circulação no país. O capitalismo, nesse caso, é a exploração do setor primário, intensivo em capital e de baixíssimo potencial de inovação, fortemente regulado pelo governo, com o uso de grandes volumes de financiamento a juros subsidiados de um banco de fomento estatal. Compare com a trajetória de verdadeiros capitalistas visionários (pode ser o Steve Jobs, pra pegar um caso mais recente) e ache os sete erros. Até a alusão ao caso da China é apropriada: crescimento brutal em todos os sentidos, também com a possibilidade de ter sido alimentado além do verdadeiro potencial com uma miríade de fraudes. É esse o modelo que queremos usar?

"Não éramos tão ruins, nem ficamos tão bons", foi o que disse o professor Eduardo Giannetti em uma entrevista de dezembro de 2009. Pensando em mercados, se juntarmos a magnitude e o tempo que durou a ilusão de que eramos muito bons com a segunda regra de Bob Farrell (excessos em uma direção levam a excessos na direção oposta), podemos esperar um longo e duro período de correção, até que pareça de novo que somos muito ruins. Talvez estejamos vendo o início desse movimento. Torçamos pelo melhor, nos preparemos para o pior.

Agradeço ao Arthur M. pela provocação e discussão.

21 comentários:

Anônimo disse...

Great posting. Love your blog.
Twitter @edavishodge

Anônimo disse...

Muito bom. Segue artigo que explica a exaustão política do capitalismo de compadres: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-exaustao-do-estado--dependente-de-governo-,892115,0.htm.
Por essas e por outras que sou anti o petismo.

Pombini disse...

Ate onde sei ninguem foi obrigado a comprar as ações X... Qual o Banco de Investimento que deu "sell" para as ações X ?. Se a questão é discutirmos fraude ,seremos obrigados todos a concordarmos com a turma do Occupy Wall Street. Fraude por Fraude nada foi pior na historia financeira mundial do que o cassino promovido pela turma do capitalismo desregulado.... Algo mudou ? Não, o poderoso lobby dos banqueiros que capturou a academia e obviamente washington continua fazendo tudo igual...

Dawran Numida disse...

Esse post faz lembrar de um outro, sobre os problemas da Grécia na UE.

Uma afirmação curta e grossa: "...são adultos..."

No caso dos X na bolsa de valores, não dá para imaginar outra coisa, mesmo considerando análises de grupos dos melhores analista de negócios.

Drunkeynesian disse...

Fato, todos os envolvidos são adultos. Que as eventuais fraudes sejam punidas dentro da lei, e que não haja salvação para quem cometeu erros grotescos de avaliação (sonho meu...).

Anônimo disse...

DK,

Também acho que o aumento descomunal das commodities possa vir a acabar.

Também acho que esse deslumbre todo dos últimos anos foi injustuficado e acabou prejudicando o País, como já era de se esperar.

A questão para mim que não é clara é referente aos padrões de consumo da sociedade mundial.

Ainda que a China diminua seu padrão de crescimento, ainda teríamos Índia e mais diversos países populosos crescendo bastante. São países dependentes de minérios e alimentos.

Diante disso, dá pra imaginar uma relativa sustentação de valor das commodities, ainda que em níveis inferiores?

E qual seria o impacto disso tudo no câmbio?

Não vejo necessariamente uma reversão absoluta.

Drunkeynesian disse...

Commodities não têm valor intrínseco, e o preço atual, para a maioria dos casos, é muito mais alto do que o custo marginal de produzir / extrair. O crescimento de China e Índia para os próximos anos é mais ou menos incorporado aos preços. Talvez não haja uma reversão, mas só uma correção mais forte, que durasse um par de anos, já faria grande diferença para o Brasil.

Anônimo disse...

Colocar pilha de fraude sem associar evidencias eh forcar a tese . De fato o investidor corre enormes riscos quando entra em pre operacional, risco intensificado por se tratar de empresa de negocio ciclico. Mas voce da ares definitivos e pior, ate de sapiencia, a essa ultima queda, sem analisar o merito, como se vivessemos um momento normal na renda variavel, nao eh o caso, o mercado esta pessimo e tende a intensificar o vies negativo. Eh um jogo que ainda esta sendo jogado, mas o que tem de gente ansiosa por atirar pedra no cara que esta investindo horrores num pais em que pouco se investe, eike provoca muito a vira-latice nacional. Todos os grandes empresarios sao megalomaniacos intoleraveis, inclusive o Jobs, por pior pessoa que sejam, o mundo precisa deles.

Anônimo disse...

Para entender um pouco de empresário e de sistema capitalista sugiro ao anônimo das 23:31 ler um pouco de Schumpeter. Eu sei que ele é antigo, mas faria muito bem para entenderes um pouco mais da sociedade em que vives... Comece por "Capitalismo, Socialismo e Democracia". Ah, Adam Smith e Marshall não faria mal algum.

Alex Catarino disse...

Anônimo (29 de junho de 2012 23:31) disse: "cara que esta investindo horrores num pais em que pouco se investe".
Como qualquer investidor, Eike Batista investe horrores só porque pode ter retornos maravilhosos. Ele nem arrisca muito, porque o Brasil já tem tradição nesses setores.
Há uma diferença fundamental em Eike Batista e Steve Jobs. Acima de tudo Steve Jobs é um criador/inovador, muito mais que um investidor até. Se não houvesse Eike Batista, o Brasil continuaria explorando e exportando commodities. Se não houvesse Steve Jobs, provavelmente a tecnologia que ele tornou popular (apesar dos produtos Apple serem relativamente caros) não estaria disponível ainda.

Drunkeynesian disse...

Uma coisa é "viés negativo" do mercado, outra é empresa perder metade do valor de mercado em 1 mês.

O Eike não provoca a vira-latice nacional. Ele a intensifica. Escancara o fato que um dos jeitos mais fáceis de "dar certo" no Brasil é não tomar risco, e sim ter os contatos certos. O Alex tem razão, o Brasil não precisaria de um Eike para vender petróleo ou minério de ferro.

Anônimo disse...

O negocio de explorar commodities sempre esteve ligado ao estado. Ainda nao consigo entender onde o Eike comete pecado mortal. Se temos um governo que coloca todas as suas fichas no atual ciclo de precos dos produtos basicos, o Eike esta aproveitando a oportunidade, nao eh problema dele Eike se o governo eh miope ou populista.Uma OGX ou HRT petroleo ajudariam o pais a depender menos da Petrobras, soh por isso ja serao coisa boa se virarem negocios do mundo real. Claro que seria maravilhoso se houvesse Apples, Acers, Microsfts em nossa bolsa, mas o que temos eh positivo e gradiente (mesmo sendo empresas "de tecnologia", o destaque delas eh ganhar licitacao ou entao receber dinheiro e incentivos a fundo perdido). Claro que o Eike nao deveria ser o empresario padrao, mas vejo na capa da Veja uma ironia, a de que nossa relacao com dinheiro e riqueza eh mais atrasada ate do que a da China comunista.

Drunkeynesian disse...

O pecado não é dele (ou não só dele), ele é uma criação do Brasil. Se não fosse ele, seria outro.

Anônimo disse...

"O capitalismo, nesse caso, é a exploração do setor primário, intensivo em capital e de baixíssimo potencial de inovação, fortemente regulado pelo governo, com o uso de grandes volumes de financiamento a juros subsidiados de um banco de fomento estatal"

Sem mais, meretíssimo!

Oítmo texto, DK.

Anônimo disse...

"O capitalismo, nesse caso, é a exploração do setor primário, intensivo em capital e de baixíssimo potencial de inovação, fortemente regulado pelo governo, com o uso de grandes volumes de financiamento a juros subsidiados de um banco de fomento estatal"

Sem mais, meretíssimo!

Oítmo texto, DK.

Anônimo disse...

O Alex matou a pau. Se há dúvidas sobre o empresário schumpeteriano, que Steve Jobs representa perfeitamente, é só ler a biografia autorizada dele. Ele tem papel fundamental em diversos ramos econômicos que se criaram a partir de Palo Alto.

JGould disse...

Mais uma vez, parabéns DK. Não estou afim de saber qual adjetivo, "Schumpeteriano", "Gekkoniano" ou "Rent seeking" se enquadra no tio da peruca. A questão que importa é; Se ficar pela bola 7, a viúva vai ser obrigada a saldar a conta, assim como fez com as sumidades nacionais que foram brincar com "target forward"? Um caramelo pra quem responder certo!

paulo araújo disse...

"nada é mais lucrativo que fraude"

De fato. E por isso ela é tão antiga quanto a humanidade.

Lembro quando Lula estranhou-se com Roger Agnelli e sacou do colete a alternativa Eike.

Para consumo externo e de $torcidas organizadas$, uma briga a favor do Brasil. Nas internas, o que rolava, entre outras, era a $reeleição$ da petista Ana Júlia Carepa, que afinal perdeu para o psdbista Simão Jatene.

Relembremos

Quando Agnelli peitou a pretensão imperial que queria impor à Vale a sua “política industrial”, forçando-a a direcionar investimentos em usinas siderúrgica, não foram poucas as vozes altissonantes que buscaram colocar o então presidente da Vale “no seu devido lugar”.

1. O absurdo [fraude 1] que foi a ida do funcionário público Ministro da Fazenda Guido Mantega para uma conversinha em privado com o sócio Bradesco na Vale, na ocasião da eleição do substituto do Agnelli. Cedeu-se ao marketing do executivo imperial "fodão" e que manda e desmanda no grito e, para fins de marketing eleitoral, um substituto “afinado” com o desenvolvimentismo chulé foi eleito.

[fraude 2] Os $áulicos$ prontamente saíram em proclamações que anunciavam o substituto de Agnelli como alguém mais afinado com a proposta de “investimento estratégico” da Vale em siderurgia no Brasil.

O vídeo abaixo foi publicado pelo canal13anajulia em 19/08/2010, ano eleitoral. Sim. Ela perdeu para Simão Jatene.

Título do vídeo:

"Lula revela como Ana Júlia conseguiu convencer Roger Agnelli a trazer siderúrgica para o Pará" [fraude 3].

http://www.youtube.com/watch?v=qKemOa9dJKs&feature=player_embedded

Mas Ana Júlia perdeu a disputa para Simão Jatene do PSDB.

O mau-estar do Agnelli é visível, dado o constrangimento a que foi submetido porque aceitou o convite. Cada um sabe o que faz.

Passados quase 18 meses desde o anúncio retumbante no Pará
"Projetos de aço da Vale com atraso. Vale tenta tirar do papel investimentos de US$ 9 bi em aço"
Autor(es): Por Vera Saavedra Durão.
Valor Econômico – 09/04/2012

(abre aspas)
Dos três projetos, o da Aços Laminados do Pará – Alpa, usina de aço a ser erguida em Marabá (PA), é o mais polêmico, dado seu viés político. Ele nasceu de uma exigência feita pela ex-governadora Júlia Carepa (PT), do Pará, com apoio do presidente Lula, aos acionistas da Vale, gerando atrito entre o ex-presidente e Roger Agnelli, então CEO da mineradora. O empreendimento por enquanto é 100% Vale e está estimado em US$ 5 bilhões. [...]

[fraude 4] A ausência de solução logística para a Alpa impediu até agora que o conselho de administração da Vale aprovasse o projeto paraense, razão pela qual não foi cotado no orçamento de 2012. “A solução logística está em mãos dos governos federal e estadual”, informou Corbellini. “Como ela ainda não existe, não fixamos uma data para a usina entrar em operação. Mas a partir do marco zero, quando a logística estiver pronta, estamos preparados para construir a usina em 48 meses. Calculo que ela possa começar a produzir lá por 2018″ [fraude 5].

Segundo o executivo da Vale, o que tem que ser feito pelo governo federal, é uma obra de “derrocamento” (explosão de pedras) num trecho do Rio Tocantins chamado Pedral do Lourenço, cheio de pedras que na seca impede as embarcações de certo calado de navegarem na hidrovia. As obras incluem também ampliação do porto de Vila do Conde, pois será ali que irá escoar a produção da Alpa. A Vale pretende construir um porto no litoral do Pará para completar esta infraestrutura logística. (fraude 4)

A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, anunciou que vai realizar as obras do Tocantins e dragar o rio viabilizando a navegação durante o ano inteiro na hidrovia [...] onde será erguida a Alpa. (fraude 5) (fecha aspas)

Legal. Fazer uma usina siderúrgica sem que se a infra de escoamento da produção.

De fato, "nada é mais lucrativo que fraude". No caso, mesmo quando flagrada em ato.

Anônimo disse...

Fraudes no mundo corporativo não são de hoje. O problema é que não temos um judiciário e um ministério público preparados para lidar com atos ilícitos de "empresários". Os homens da lei não entendem nada do mundo dos negócios e minimamente de economia. O resultado só pode ser a impunidade que campeia no Brasil...

Anônimo disse...

Olhem aí o compadre pedindo arrego ao Estado patrimonialista: http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,mantega-recebe-eike-batista-na-fazenda,118125,0.htm.
Será que o drunkeynesian acertou na mosca?

Drunkeynesian disse...

Nada como ter amigos...