segunda-feira, 14 de março de 2011

Câmbio no Brasil: mais barulho. Só barulho.

Seu Mantega & companhia voltaram animados do Carnaval, com a máquina de boatos começando a rodar já na quarta-feira de cinzas. O câmbio, dizem, atingiu um patamar (R$ 1.65 / US$) que o governo considera 'intolerável'. A solução é dificultar a vida desse povo que insiste em trazer dólares para o país: tem se falado em um novo aumento de IOF para aplicações de estrangeiros em renda fixa, taxar emissões de empresas brasileiras em dólar e, a mais recente, impor uma quarentena para as aplicações em ações. Nenhuma dessas, creio eu, vai fazer muita diferença além dos eventuais (e pequenos) impactos de curto prazo. Explico:

- Como qualquer mercadoria livremente negociada, a taxa de câmbio se ajusta à oferta e à demanda. A explicação mais honesta e simples para o movimento do real nos últimos anos é que a oferta de dólares no Brasil tem sido muito alta com relação à demanda. Por algum motivo, há mais gente disposta a trocar dólares por reais do que vice-versa. O dado que expressa isso (parcialmente, já que não inclui o mercado de derivativos, que é muito importante para a formação de preços) é o fluxo cambial medido pelo Banco Central: em 2011, até 4 de março, entrou no país um excesso de US$ 24.3 bilhões, mais do que em todo o ano passado (mais aqui).

- O fluxo cambial pode ser dividido, grosso modo, em comercial e financeiro. À taxa de câmbio corrente, o fluxo comercial é praticamente nulo -- as importações já ficaram atrativas para o mercado interno a ponto de devolverem para o exterior toda moeda estrangeira que entra das exportações. Para usar uma anedota da moda, estamos trocando minério de ferro e soja por iPads e automóveis coreanos.

- Se o fluxo comercial é inexpressivo, os dólares, claro, estão entrando pelo canal financeiro, que inclui principalmente aplicações em ativos brasileiros (ações, renda fixa, investimento direto) e emissões de empresas brasileiras em dólares.

Sabemos os motivos pelos quais estrangeiros investem no Brasil: é relativamente fácil compreender o racional do investidor que prefere deixar o dinheiro em reais pagando 11.75% ao ano do que em dólares pagando 0.25% no mesmo período; e (talvez um pouco menos) o dinheiro que vai para ações e investimento direto (contando com o futuro brilhante do país do futuro). Mas por que empresas brasileiras emitem em dólares (e essas emissões são as principais responsáveis pelas entradas de moeda estrangeira neste ano)? Primeiro, com uma certa dose de irresponsabilidade ou ingenuidade, é muito mais barato: uma emissão sem hedge, se nada acontecer com o câmbio, custa algo como 5% ao ano a menos no exterior do que um empréstimo equivalente no mercado local. Segundo, o mercado global oferece uma combinação de prazos longos e grandes volumes que não tem similar no ainda incipiente mercado brasileiro: para alguns emissores (bancos médios, sobretudo) vale a pena até obter o financiamento em dólares, transformar o dinheiro levantado em reais e transformar todo o risco para moeda local, via swaps ou futuros.

Na margem, seria possível reduzir tanto a atratividade dos ativos brasileiros para estrangeiros quanto das emissões em dólares para brasileiros baixando os juros locais. Como isso não pode ser feito de forma significativa de um dia para o outro e ainda prevalece a crença de que o Brasil arrisca entrar em uma espiral inflacionária, caso resolva trabalhar com juros compatíveis com o resto do mundo, essa saída não é viável. Restam, portanto, medidas que façam as vezes, em diferentes graus, de um fechamento na conta de capitais.

Fechar a conta de capitais é uma opção? Não sem o risco de uma sensível ruptura no crédito e, consequentemente, no crescimento do país. Ao longo dos últimos anos, a economia se estruturou de forma a compensar parte da falta de crédito local com o dinheiro estrangeiro. Ausente esse dinheiro, grandes empresas teriam dificuldades de financiar seu crescimento, o custo da dívida pública subiria e essa alta nos juros seria transmitida para as demais modalidades de crédito. Imagino que o governo tenha isso em mente, e talvez esse seja o motivo para que as medidas tomadas não visem a raiz do problema, tentando apenas  atingir algumas modalidades do fluxo, sem fechar o canal principal.

O problema do câmbio, portanto, implica em uma difícil e profunda decisão de política econômica. Há quem ache evidências de longo prazo em favor de um câmbio desvalorizado (ver o recente artigo e a pesquisa acadêmica de Dani Rodrik); os ganhos do câmbio valorizado são mais sentidos no curto prazo e, de certa forma, são mais distribuídos, via preços de importações, entre a população. Assumindo que o governo segue optando por um regime de câmbio flutuante com a conta de capitais aberta, a decisão relevante está tomada. Porém, para o alívio dos 'industrialistas' que atuam sob esse regime, seguem se acumulando os desequilíbrios que devem levar a alguma desvalorização cambial relevante: como dito acima, a balança comercial já não gera mais superávits, o câmbio real (por diversas medidas) parece estar supervalorizado e segue a acumulação de passivo em moeda estrangeira, que a história já provou ser combustível para crises cambiais de grandes proporções. Resta aguardar algum daqueles momentos imprevisíveis em que os mercados deixam de achar uma boa idéia emprestar dólares para quem não gera fluxos de caixa nessa moeda, e toda essa abundância da conta capital pode ser revertida antes que se aprenda a apontar no mapa o Daguestão, nova Meca do futebol cleptocrata empreendedor. Enquanto isso, sobra tentar ignorar a barulheira vinda de Brasília. Os cães ladram e a caravana segue passando.

Um comentário:

Veiga disse...

You know what to do when the hot news flash.