quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Krugman está errado?

O Na Prática a Teoria é Outra lançou a discussão, e eu respondi o seguinte lá (vale conferir os outros comentários, estão muito bons):

Vai ter quem diga que ele [Krugman] está errado por definição, só pela Newsweek ter feito uma capa com ele. Mas vamos partir do princípio que o Krugman não é nem lunático, nem burro. O argumento central dele é que os EUA precisam continuar com os estímulos fiscais e monetários para que a economia não arrisque entrar numa depressão brava. Os gastos do governo substituiriam o crescimento "perdido" com a retração no consumo e a desalavancagem, e funcionariam como uma muleta até que a economia consiga andar com as próprias pernas.

Acho que não tem como colocar essa questão em termos de "certo" ou "errado", cada vez mais eu acho que política econômica é um negócio de tentativa e erro, e o que funcionou para um país pode não funcionar para outro (e vice-versa). Eu vejo as seguintes possíveis falhas na visão dele:

- A primeira, e mais óbvia, é o custo dos estímulos, que é convertido em dívida pública que um dia tem que ser paga (ou rolada). Como os EUA emitem dívida em moeda local, é muito baixa a probabilidade de um dia eles repudiarem essa dívida, mas pode ocorrer do custo dela ficar muito alto (o mercado subir os juros por achar que seu volume é exagerado), o esforço fiscal para pagar não ser suficiente e ela ter que ser monetizada. Na cabeça dos monetaristas, isso gera inflação instantaneamente, mas não é o que a evidência histórica (Japão) mostrou, por enquanto.

- Um segundo risco é os EUA repetirem o script do Japão nos últimos 20 anos - não faltou dinheiro na economia, isso não se traduziu em inflação, mas a economia perdeu totalmente o dinamismo e o governo tem que sustentar ad eternum montes de companhias "zumbis". Não vejo esse cenário como horroroso, uma vez que os japoneses têm passado longe de empobrecer ou de piorar radicalmente a qualidade de vida, mas para chegar nele os mercados ainda teriam que passar por uma fase de reconhecimento que pode ser bastante turbulenta.

- Outro problema é a questão dos incentivos: deixar todo o crescimento por conta do Estado vai gerar corrupção, um "agent problem" gigantesco, desincentivo à inovação...

Dito isso tudo, eu acho que, a essa altura (o sistema financeiro já não implodiu, os mesmos erros de 1929 não foram cometidos), o suporte do governo é uma tentativa desesperada de comprar tempo e uma sacanagem imensa com as próximas gerações. A questão fundamental é que, nos últimos anos, boa parte do crescimento, da valorização dos ativos, do lucro das empresas, do aumento de prosperidade de parte da população, etc, foram ilusórios, baseados, grosso modo, em tomadas de crédito que nunca serão pagas. Creio que enquanto isso não for reconhecido e os devidos ajustes forem feitos, a economia não volta a funcionar nos moldes capitalistas que conhecemos. O problema é que isso parece não ser de interesse da geração que tem poder (político e econômico), que está envelhecendo e quer saber de garantir um futuro razoavelmente tranquilo; enquanto a próxima geração não tiver "constituency" para mudar as coisas ou o sistema não travar de vez, a solução para qualquer problema vai ser imprimir dinheiro.

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