Achei oportuno o NPTO sugerir essa "pauta" para os bloguistas (vou usar esta alternativa ao horrendo "blogueiros" - obrigado, Osmar) econômicos, poucas semanas depois do Encontro Nacional da categoria e de eu ter escrito este texto, dizendo, em resumo, que a blogosfera brasileira ainda é incipiente, meio quixotesca e com pouca exposição. Aí vai minha tentativa:
A discussão surgiu deste post do novo blog da Bruegel (uma think tank relativamente nova, baseada em Bruxelas e apoiada, desde sua idealização, por gente como Jacques Chirac, Gerhard Schröder e Mario Monti). Eles argumentam que existem blogs de economia europeus, mas o debate é algumas vezes menos rico que nos EUA - em parte porque muita gente escreve em línguas diferentes entre si e sobre temas que só dizem respeito a seus respectivos países, mas também porque os EUA são culturalmente diferentes - com mais tradição de debates e confrontos na academia. O Free Exchange, da The Economist, citou a Bruegel e adicionou que, nos EUA, a crise foi um grande catalisador para a blogosfera econômica, gerando interesse pelo tema e incluindo no debate várias vozes que normalmente não seriam ouvidas pela mídia tradicional. Além disso, destaca os efeitos de rede desse tipo de ambiente: os benefícios (mais riqueza no debate, visibilidade, especialização etc) para todos os envolvidos são tão maiores quanto maior o número de envolvidos.
Aqui no Brasil, como eu tinha observado, o debate econômico via blogs é limitado e, creio, segmentado. A maior audiência está nos blogs ligados à mídia impressa tradicional - jornais ou revistas - e, no geral, escritos por jornalistas, com conteúdo bem próximo do que se encontra nos veículos que eles representam. Atraem, creio, um público parecido com o leitor médio de jornal ou de portais de internet. A exposição via esses portais e a "grife" dos grandes grupos editoriais atrai muitos leitores e comentários, mas o debate geralmente não passa do superficial e, não raro, descamba para a supersimplificação e ataques pessoais - não exatamente o tipo de interação que leva aos efeitos de rede positivos que mencionou o Free Exchange. Peguei esse exemplo de um post aleatório do blog do José Paulo Kupfer (Estadão), sobre conta corrente:
Os blogs escritos por acadêmicos ou economistas que estão no mercado privado / governo parecem ter, no geral, audiência limitada a seus alunos, pares e alguns curiosos. Da minha amostra (puxem minha orelha se esqueci de alguém), creio que os que mais têm audiência são o Fernando Nogueira da Costa (média de 21,500 visitantes por mês - não sei se o jeito do Wordpress contar é o mesmo do Sitemeter, estou assumindo que sim, caso alguém saiba do contrário, me corrija, por favor), o Alexandre Schwartsman (11,000 visitantes por mês) e o Mansueto Almeida (10,000 visitantes por mês) - para ter uma base de comparação, a média mensal do Greg Mankiw é de quase 300,000 visitas. Esta categoria tem pouca interação com o tipo de blog que mencionei acima (ainda que o Alexandre e o Mansueto cheguem mais perto disso, estão sempre na imprensa) - ou os temas são distintos, ou tratados em níveis diferentes de profundidade, ou a linguagem não desce bem para o público menos restrito. Esses blogs e seus fieis visitantes muitas vezes geram discussões interessantes e bem informadas, mas, na maioria dos casos, ainda não o bastante para criar o que o Free Exchange chamou de "liquidez de opiniões" que aumentaria o valor dessas discussões.
Aqui listo (sem pretensão de exaustão ou grande precisão) alguns fatos & impressões que pontuam as diferenças entre o que temos aqui e os EUA:
- Evidentemente, escrever em Português limita o alcance do debate - a língua é relativamente pouco difundida e nem todo mundo tem paciência ou interesse para ficar jogando textos no tradutor do Google (devo ter uns dois ou três leitores que fazem isso). Os dois blogs de economia escritos por brasileiros mais citados mundo afora são, creio, o Brazilian Bubble (consta do blogroll do Alphaville do Financial Times) e o do João Marcus Nunes (interlocutor frequente do agora badalado Scott Sumner e dos pioneiros da onda de monetarismo de mercado, talvez a ideia mais relevante e discutida surgida na blogosfera) - não por coincidência, ambos escrevem em Inglês (pessoal do ENBECO, que tal levar esses caras pro evento do ano que vem?). Por outro lado, abandonar o Português limitaria o alcance entre leitores daqui e mataria parte importante das discussões. O ideal seria alimentar simultaneamente as duas versões do mesmo conteúdo, mas isso tomaria um tempo que quase ninguém está disposto a gastar (eu tentei por um tempo e desisti rápido, por exemplo). Ainda assim, creio que há recompensas para quem fizer esse esforço - o interesse pelo Brasil no mundo é grande e crescente, e muito dos que escrevem por aqui não devem absolutamente nada aos melhores bloguistas estrangeiros.
- Um dos fatores mencionados pelo Free Exchange para o sucesso da blogosfera nos EUA foi a pronta adesão de alguns economistas muito renomados ao formato blog. Não que tenhamos um grande pool de ganhadores do Nobel ou da John Bates Clark por aqui (isso de fato só os EUA têm), mas nenhum dos economistas brasileiros com maior visibilidade - Delfim Netto, Armínio Fraga, José Alexandre Scheinkman, pra citar alguns - escreve em blog, e eu não prenderia o fôlego enquanto espero que o façam.
- Os incentivos (sempre eles) para se ter um blog nos EUA são algumas vezes maiores do que por aqui. Por lá, um bom blog independente consegue atrair atenção suficiente para, eventualmente, passar a viver de escrever (seja por anúncios ou por convite para escrever para algum portal, revista ou jornal). Aqui, muitos blogs são vítimas do próprio sucesso - quando o número de acessos cresce, passa a ser difícil manter o ritmo de produção, acompanhar os comentários e responder aos pedidos, tudo isso enquanto se ganha o pão com outra atividade. O Mansueto já está sentindo isso, e outros tantos bons autores param de escrever quando colocam na balança os custos e benefícios desse tipo de trabalho voluntário.
Fora o aspecto financeiro, por lá a academia e a imprensa parecem acompanhar mais de perto o que se produz na internet. Aqui não sei se é questão de conservadorismo ou de escala, o fato é que a influência e o alcance dos blogs são ainda limitados, e, por consequência, o prestígio adicional por escrever um blog é menor (ou inexistente).
- Falando em escala: não há nenhum lugar perto dos Estados Unidos em escala de consumo - e, creio, isso também vale para conteúdo de internet. Para o caso de blogs econômicos: nenhum país do mundo tem tanta gente instruída, com acesso a internet e interesse por economia e finanças. Nenhum lugar tem tanta produção acadêmica, tantos departamentos de economia e escolas de negócios, tantos investidores individuais e consultores independentes, tantos jornais e revistas de economia e negócios. Por consequência, em nenhum lugar o efeito rede dos blogs vai ser tão poderoso. Lá, procurando, acha-se uma rede de blogs dedicados a praticamente todas as especialidades dentro do que se chama de Economia; isso dificilmente será reproduzido em qualquer outro país.
- Quanto à questão cultural, é difícil dizer. Eu tenderia a imaginar que os brasileiros seriam mais próximos aos europeus: debatem menos e evitam confronto, mas é puro chute. Talvez um dia chegue-se à conclusão que o fenômeno "blogosfera econômica" é daquelas coisas que só se explica pelo excepcionalismo americano, como o NASCAR, o Dr Pepper e a salada coleslaw. Ainda é cedo, porém, e eu sou totalmente desqualificado para tirar esse tipo de conclusão socioantropológica.
- O Free Exchange cita a crise como um dos elementos que aumentou a relevância da blogosfera nos EUA. O Fabio Kanczuk tinha levantado essa bola no ENBECO, há algumas semanas: a atenção dada a economistas é proporcional ao tamanho dos problemas econômicos dos quais ele trata. Veremos como vai ser por aqui quando as marolinhas voltarem a aparecer.
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11 comentários:
Boa!! Bloquista é mais, digamos, elegante...
DK
Já tentei, sem sucesso, encontrar alguem para dividir o "Historinhas", se responsabilizando por tratar de questões "Brasil" em inglês.
Quem tiver interesse é só me procurar.
Eu concordo com tudo (exceto com o excepcionalismo de coleslaw) e dou muito peso a questão de escala. Até coisas que parecem "cultura", podem ser escala: como o mercado é muito pequeno, ninguém quer comprar muita briga e encontrar com o cara no próximo evento ou na próxima consultoria.
Essa questão é muito simples de resolver, o Paulo Henrique Amorim e o Luis Nassif já deram o caminho das pedras: pede dinheiro pro governo!!!
Bem, as marolinhas já chegaram e estão causando vários tsunamis: no câmbio, na inflação, nos juros, no crescimento, na política, na Copa, nas Olimpíadas, na Educação...enfim, está em todos os lugares.
Pode estar faltando, isso sim, quem enxergue. Mas, há blogueiros, assim mesmo, blogueiros, que colocam a situação como é.
No blog do mansueto, por exemplo, há um post sobre otimismo que assusta.
Depois de ler o post do mansueto, só dá para perguntar: estaria ocorrendo com o País, exatamente, o o quê?
Parece que quem percorre os blogueiros todos estão procurando a resposta.
Leonardo, seria você o primeiro brasileiro que eu conheço que gosta de coleslaw? Concordo com o que você falou, aqui parece que todo mundo do meio frequenta os mesmos lugares e fatalmente é amigo de algum conhecido. Ah, você podia aproveitar a passagem por aqui para contar a história do voto no Giacomo para presidência do Banco Mundial.
Primeiro passo para popularizar um blog, assuma o ambiente que vc está, a internet e seus jargões. Ou seja, fale, sem ressalvas e preciosismo estilisticos blogosfera e blogueiro.
blogueiro
blogueiro
blogueiro
blogueiro
Vou tentar me acostumar...
Difícil não concordar com tudo DK. Como o Monasterio foco também na escala e no "homem cordial" e seu outro subproduto: por poucos os blogs de economia acabam virando panelas à esquerda e à direita.
Mais do que debate são, muitas vezes, um exercício reforçativo do ego coletivo em geral e do blogueiro em particular. O que só reforça minha opinião que "debate" é um fetiche ingênuo.
Não é teu caso e, embora eu seja muito mais próximo da tua abordagem, nem o do Monasterio.
Ou vai ver é por que os economistas em destaque se pelam é de medo de botar a cara à tapa...
Drunkeynesian,
gostei muito do seu post. Vamos tentar fazer um encontro mais plural na próxima vez, talvez com esse pessoal que escreve em inglês e tudo mais.
Acho que vocÊ tem razão na maioria dos pontos. Só acho que parte da escala vem da qualidade da demanda. Digo isso no sentido que os americanos tem um trinamento maior em economia. Em todas as universidades os alunos são obrigados a fazer ECON101. Em Harvard, o Mankiw tem 1,000 alunos por ano. Põe aí 10 anos e ele já parte de 10,000 hits. Fora todos os papers, livros, etc. Que é impossível competir.
Enfim, acho que o leitor brasileiro tem outro perfil de conhecimento econômio, o que fica bem claro no seu exemplo do blog do João Paulo Kupfer. Fora o acesso a internet.
Uma outra coisa legal seria dividir os hits do Krugman pelos hits do NYT, e depois dividir os hits da Míriam Leitão pelos hist do Globo.
Forte abraço!
Cristiano
Valeu, Cristiano! Acho que o encontro só tem a ganhar com mais gente de enfoques diferentes.
Você tem razão quanto ao Mankiw, não lembrava que ele tinha tantos alunos.
Abraço!
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