sexta-feira, 16 de março de 2018

Quando o acaso atropela talento e esforço

Do alto da minha arrogância de vestibulando de engenharia (17 anos, inteligentinho, estudando 8 horas por dia em um bom cursinho), eu ficava irritado quando, antes de alguma prova, alguém me desejava "boa sorte". Ora, na minha mente adolescente, todo o meu preparo e dedicação eliminavam qualquer papel do acaso, e o resultado do vestibular estava dado dias antes de eu sentar para fazer a prova, pela soma do tempo gasto na preparação. Sorte era pra quem não tinha estudado direito, obrigado.

Hoje, 20 anos depois, considero um indicador claro de amadurecimento perceber que quem estava certo memo era Nelson Rodrigues – que, além de aconselhar escrotinhos de 17 anos a envelhecer, dizia que "sem sorte não se chupa nem um Chicabon. Você pode engasgar com o palito ou ser atropelado pela carrocinha." Meritocracia só opera (quando opera) depois que uma série de possíveis azares, de difícil ou nenhum controle, são superados. Cada história de sucesso é um pequeno milagre probabilístico. Ou, como gosta de dizer um amigo, de forma mais eloquente e elegante, "o acaso é foda."

Em um livrinho que mistura histórias pessoais, estatística e propostas de reforma tributária, Robert H. Frank, professor de Cornell, propõe um experimento computacional relativamente simples (pode ser replicado no Excel, por exemplo): pegue 1.000 (ou 10.000, ou 100.000) pessoas, definidas por três atributos, distribuídos aleatoriamente pela amostra: habilidade, esforço e sorte. Cada atributo tem uma pontuação, de 0 a 100. Dê pesos iguais para habilidade e esforço, e atribua o restante – um peso relativamente pequeno, de 1% a 20% – à sorte. Use a composição desses atributos para definir o único vencedor de mil de torneios entre essas pessoas, e observe com qual frequência o resultado desvia da maior soma de habilidade e esforço – ou seja, quantas vezes o competidor mais habilidoso e esforçado deixa de vencer. Algum chute?


O produto de uma simulação está no gráfico acima. A direção dos resultados é intuitiva: quanto maior o peso da sorte, maior a probabilidade do vencedor não ser o que tem a melhor combinação de habilidade e esforço. E, dentro do mesmo nível de sorte, quanto maior a amostra, maior o peso da sorte – maior a probabilidade de um embate entre dois competidores com níveis equivalentes de habilidade + esforço ser decidida pela sorte. O que surpreende é quão frequente a parada é resolvida pelo acaso: em torneios com 100.000 participantes, em pelo menos 68% dos casos o vencedor não será o mais habilidoso/esforçado. Essa proporção sobe para mais de 90% quando a sorte determina apenas 10% do resultado na maior amostra testada. 

Mais recentemente, três pesquisadores italianos (dois físicos e um economista), partindo de uma ideia semelhante, propuseram um modelo ainda mais sofisticado e realista: para uma população de 1.000 pessoas dotadas de 10 unidades, distribuídas aleatoriamente (seguindo uma normal), de "talento", simularam uma carreira de 40 anos. A cada seis meses, cada pessoa é exposta, também aleatoriamente, a eventos de sorte ou azar, que, respectivamente, dobram ou reduzem pela metade, como proporção ao talento, uma medida de sucesso (também configurada inicialmente com 10 unidades). 


Passados os 40 anos, eis os resultados: primeiro, a distribuição de sucesso deixa de ser normal (concentrada em torno da média e com poucos resultados muito divergentes) e passa a seguir uma lei de Pareto, com alta desigualdade (ver a figura abaixo). Menos de metade da população termina com mais que os 10 "sucessos" iniciais, e os 20 indivíduos mais bem-sucedidos concentram 44% do sucesso total. Segundo, como nas simulações de Frank, raramente os mais talentosos terminam melhor. O acaso atropela as condições iniciais com frequência.

Pluchino, Biondo e Rapisarda ainda fazem outros simulações para avaliar a eficiência de diversas estratégias de financiamento e a influência do ambiente em termos de oportunidades para os indivíduos, também com resultados interessantes, mas não quero me alongar (mais) aqui. Minha conclusão é que, sobretudo em ambientes complexos e altamente competitivos, onde muitas pessoas qualificadas disputam algo, devemos aplicar uma alta dose de compaixão. A diferença entre quem é lembrado e quem é esquecido e deixado para trás pode ser nada mais que um atraso por conta do trânsito, uma dor de estômago, uma briga com o marido, uma chuva que fez um avião não decolar na hora esperada, uma folha de respostas de vestibular perdida num assalto.

14 comentários:

Anônimo disse...

Tá de zoeira PJ? O cara inventa um modelo que é uma série de sorteios aleatórios pra provar que o resultado final é aleatório! Isso modela exatamente o quê na vida real? Absolutamente nada... Tá de sacanagem?

Thiago Teixeira de Souza disse...

Se identifique, amigo. Quando comentar, se identifique, para o público leitor, saber quem se posicionou, comentou, avaliou.

Mai disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mai disse...

Mai18 de março de 2018 07:59
Infelizmente, eu sou a prova viva real disso... A vida toda me "matei" pelo sucesso. Fiz engenharia na USP, mas não consegui entrar no mercado de trabalho, consegui bolsa para mestrado fora, mas não consegui entrar no mercado de trabalho, entrei por insistência, mas já era "acadêmica" demais, tento ir para a área acadêmica, mas não consigo porque meu mestrado foi profissional, pensado no mercado; fiz mba, de novo na USP, mas ainda não serve porque falta experiência; volto para Portugal, falta experiência para o mercado e falta cursos específicos de 100h para trabalhar ou dar formação na área embora meu mestrado e MBA tenha mais de 3000h de formação que atendam aos tais cursos, muitas feitas em Portugal, inclusive, mas não serve. Tenho que fazer de novo. E pagar. Como se já fosse pouco o que já gastei e ainda não ganhei... Haja sorte que me desvia até agora!!! Espero que ache meu caminho agora! Já deu!

Anônimo disse...

E o efeito sorte sofre ainda uma amplificacao:?os sortudos tornam-se mais autoconfiantes e os azarados tendem a desenvolver menor auto estima.

Anônimo disse...

@Thiago Teixeira, Isso por acaso muda a resposta para o cidadão?

PSI, eu tive a mesma sensação que ele quando li o artigo. Processos estocásticos são aleatórios por natureza, e vão convergir à média imposta ao modelo, por construção. Acredito que a pergunta pertinente seja: Aonde é que essa média do modelo encontra algum fundamento na vida real?

Só para encher o saco, permanecerei anônimo também. Mas isso não muda nada, espero.

Curiosamente sou engenheiro também, com mestrado acadêmico, mas não tive dificuldades em me colocar no mercado de trabalho, no mercado financeiro. Não acho que tenha sido sorte não, mas tem um modelinho aí que discorda de mim...

Edson disse...

Antes de fazer qualquer referência anedótica (contra ou a favor do modelo), levem em conta: ser parte da população que tem a mera possibilidade de fazer um mestrado acadêmico já está a muitos desvios-padrão de distância em termos de sorte da média da população brasileira (vou nem falar da população mundial).

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unknown disse...

"quantas vezes o competidor mais habilidoso e esforçado deixa de vencer. "
O erro está em considerar que a meritocracia falhou quando o melhor (de 1000 ou mais participantes!!) não ficou em primeiro.

Imagina por ex. se o melhor ficou em segundo, atrás apenas do segundo melhor, é um desvio muito pequeno da situação perfeita né?

Refaça os cálculos e veja a quantidade de vezes que os 10% melhores ficaram nós 10% primeiros lugares, em qualquer ordem.

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