quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

LTRO para (quase) leigos*

O produto mais fantástico da história do SkyMall,
apropriado para acompanhar esse tipo de leitura.
* porque nenhum leigo de verdade se interessaria por essa filigrana do mundo.

Ontem o Banco Central Europeu anunciou que vai emprestar, em termos camaradas (três anos de prazo, juros de 1% ao ano) € 530 bilhões para 800 instituições financeiras. Os empréstimos fazem parte do programa acronimado LTRO (inglês para Operação de Refinanciamento de Longo Prazo), iniciado no final de Dezembro para salvar o sistema bancário do continente e que já concedeu cerca de (voz do Dr Evil) € 1 trilhão em operações desse tipo. Algumas ponderações além das manchetes (acho):

1. O LTRO ataca o problema de liquidez dos bancos, mas não o de solvência: no prazo dos empréstimos, os bancos depositam ativos como garantia (colateral) para o dinheiro recebido. A exigência de qualidade para esse colateral é muito baixa - consta que vale quase tudo, desde bônus da Alemanha à títulos lastreados em hipotecas de casas em Murcia (títulos da Grécia não valem enquanto estiverem em "calote seletivo", passarão a valer uma vez definidos os termos da renegociação). No fim do prazo, em teoria, os bancos têm que repagar o Banco Central Europeu.

2. O dinheiro "novo", idealmente, funcionaria para que os bancos voltassem a expandir o crédito e, por consequência, ajudassem na recuperação da economia. Ocorre que, como bem aponta Richard Koo-san, estamos vivendo uma recessão onde a prioridade das companhias e indivíduos é limpar os balanços, e não aumentá-los (pagar dívidas contraídas no passado). Assim, parece pouco provável que: (i) haja abundância de projetos com bom retorno esperado que justifiquem investidores usarem alavancagem para financiá-los; (ii) os bancos julgarem os créditos bons o bastante para merecer empréstimos (num ambiente em que também estão preocupados em limpar os balanços e levantar capital) e (iii) isso tenha impacto significante na vida do grego ou português médios. O dinheiro acabará, creio, financiando os próprios governos - um banco prudente pode tomar dinheiro no LTRO a 1% ao ano e comprar um título de dez anos da Alemanha a quase 2% ao ano, assumindo o descasamento de duration e embolsando a diferença das taxas, tudo mais constante. Os mais agressivos podem tomar como princípio que existem países grandes demais para quebrar e comprar dívida da Itália ou Espanha ao redor de 5%, levando o carregamento de 4% ao ano (Grécia, Portugal e Irlanda pagam mais, mas estão quebrados ou podem quebrar antes do prazo - nada, porém, que impeça os aventureiros de tentarem a sorte por lá). Se der certo por um tempo, ótimo - será o bastante para uma certa estabilidade no sistema, os bancos publicarem algum lucro e pagarem os bônus aos brilhantes executivos que foram empurrados para essa situação (muitas vezes por suas próprias debilidades). Se der errado, ao final do prazo do LTRO, o BCE terá outro problema para resolver. Exemplo de livro-texto de risco moral.

3. O que também pode ocorrer no período é os colaterais não terem o valor pelos quais foram avaliados quando entraram no LTRO. Tenho pouca dúvida que ainda existem perdas não reconhecidas nas carteiras de crédito dos bancos europeus; na prática, a consequência é a mesma do item acima - mais risco moral para a carteira do BCE.

4. A pergunta final é a famosa "quem paga a conta". Bom, algo dando errado, alguns bancos não conseguem pagar de volta ao BCE e este fica com um buraco no balanço, que deve ser coberto com emissão de dinheiro (a possibilidade do banco central quebrar parece bastante remota). No melhor dos casos, o dinheiro é impresso, isso não desestabiliza o sistema monetário e o BCE captura a senhoriagem, que funciona como um imposto regressivo (proporcionalmente pior para os mais pobres). No pior, esse negócio de imprimir dinheiro em grandes volumes não acaba bem, a inflação acelera,  perdem os poupadores e, de novo, a turma menos favorecida, que não tem acesso a mecanismos de proteção contra a inflação (mais sobre a dinâmica aqui). As consequências sociais e políticas também não são exatamente desejáveis.

(Dando tudo certo, os bancos terão usado o crédito barato para gerar lucros e melhorar os balanços, o BCE recebe o dinheiro de volta e devolve os títulos. A economia estará recuperada e esses títulos são pagos no prazo, integralmente. Eva Green e Paola Oliveira aceitam fazer, pro bono, um ensaio conjunto para a Playboy. A vida é boa.)

5. (Observação mais genérica e chutada, talvez não mereça ser lida) Emitir moeda, sabe-se, não cria riqueza - talvez se levarmos em conta o efeito sobre os "espíritos animais" e suas consequências em alguma função de produção, mas os efeitos são de segunda ordem e mais no sentido de reconduzir uma economia a uma tendência de crescimento perturbada por um choque de duração limitada. Porém, tem efeitos distributivos relevantes e perniciosos, como os exemplificados acima. É estranho imaginar que num sistema cujo maior problema (no caso dos países desenvolvidos) é a desigualdade e distribuição muito assimétrica da riqueza criada nos últimos anos as soluções imaginadas pelos governos tenham como consequência provável mais desigualdade. Esse é o aspecto mais repugnante do risco moral gerado pelo jogo de interesses entre companhias e governos: dinheiro de impostos financiando más decisões econômicas de bancos, fundos de pensão, indústrias, companhias aéreas, times de futebol... Algum grande economista ainda vai escrever algo convincente sobre esses subsídios cruzados, torço para que a tempo dessas políticas serem revertidas antes de uma eventual radicalização do eleitorado - este o grande risco oculto desses tempos estranhos.


Mais sobre LTRO na Bloomberg e no Zero Hedge.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Chegando...

A turma fez até um vídeo para divulgar o II Encontro:

Dois papers muito interessantes da última leva do NBER

1. Nathan Nunn, de Harvard, sobre o papel da cultura (definida como o conjunto de heurísticas que ajudam na tomada de decisões - como valores, crenças e normas sociais) no processo de desenvolvimento econômico. A leitura é bem mais simples do que parece pelo título, e o tema é fascinante - e me lembra que ainda preciso terminar um livro do Jon Elster que larguei pelo meio e ler o novo do Acemoglu / Robinson quando sair. Trecho do resumo:

A number of empirical studies confirm that culture is an important mechanism that helps explain why historical shocks can have persistent impacts; these are reviewed here. As an example, I discuss the colonial origins hypothesis (Acemoglu, Johnson and Robinson, 2001), and show that our understanding of the transplantation of European legal and political institutions during the colonial period remains incomplete unless the values and beliefs brought by European settlers are taken into account. It is these cultural beliefs that formed the foundation of the initial institutions that in turn were key for long-term economic development.

2. Alan de Bromhead, doutorando de Oxford, conseguiu dois co-autores de muita moral (Barry Eichengreen e Kevin O'Rourke) e mastiga dados para mostrar que o extremismo de direita cresce em tempos de dificuldades econômicas. Resumo:

We examine the impact of the Great Depression on the share of votes for right-wing anti-system parties in elections in the 1920s and 1930s. We confirm the existence of a link between political extremism and economic hard times as captured by growth or contraction of the economy. What mattered was not simply growth at the time of the election but cumulative growth performance. But the effect of the Depression on support for right-wing anti-system parties was not equally powerful under all economic, political and social circumstances. It was greatest in countries with relatively short histories of democracy, with existing extremist parties, and with electoral systems that created low hurdles to parliamentary representation. Above all, it was greatest where depressed economic conditions were allowed to persist.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Leituras da ressaca pós-Carnaval

- A Barron's entrevistou Hugh Hendry, que andava sumido. Pérola recolhida: "I am an existentialist. To my mind, the three most important principles when it comes to investing are Albert Camus' principles of ethics: God is dead, life is absurd and there are no rules."

- Dois novos blogs para adicionar à lista de leituras: o flamboyant Xavier Sala-i-Martín, de Columbia e Daron Acemoglu (MIT) / James Robinson (Harvard), que lançam no mês que vem o esperado Why Nations Fail. O livro se propõe a responder a pergunta de vários milhões de dólares do desenvolvimento (meu chute é que é mais fácil determinar porque países dão errado do que conseguir identificar o que leva ao sucesso).

- Timothy Garton Ash defende a busca de uma estratégia de crescimento para a Grécia, não tenho como concordar mais. No Kathimerini, uma defesa do euro; na The Economist, ex-banqueiros centrais da Argentina e do México dizem porque acham que a Grécia não deve sair da moeda única.

- Christina Romer, ex-conselheira econômica de Obama, indica quatro livros sobre a Grande Depressão.

- Simon Wren-Lewis, de Oxford, sobre a polarização da macroeconomia após a crise.

- Eduardo de Carvalho Andrade, do Insper, explicando porque não existe milagre no crescimento chinês (e porque árvores não crescem até o céu).

- Duas boas análises do Nomura: Richard Koo argumenta que os banqueiros centrais e políticos ainda não entenderam a natureza da crise e insistem apenas no estímulo monetário; Bob Janjuah segue preocupado e afirma que os preços da onça de ouro (hoje em US$ 1.780) e do índice Dow Jones (13.000) vão se encontrar nos próximos anos.

- Recomendado por Dani Rodrik, texto do NY Times sobre a Apple e os empregos que a China absorveu. Ele argumenta que a produção não segue nenhum critério de vantagem comparativa, mas não vejo como não acreditar que a China possui essa vantagem para quase qualquer atividade que exija trabalho semi-qualificado intensivo.

- Como a internet pode ameçar a serendipity.

- Domingo é dia de Oscar (zzzzzzzzzzzzzz). O Valor fez uma ótima análise do zeitgeist americano pelos filmes indicados. Para os maníacos por dados, doze maneiras criativas de visualizar informações sobre filmes (via Alex Bellos). Quantos Oscar Meryl Streep deveria ter.

- Quanto custaria construir a Estrela da Morte (boa motivação para Dr Evil em um futuro filme da série Austin Powers).

- Kassab também olha para coisas.

Som da Sexta - Thelonious Monk

Na euforia pré-carnavalesca, deixei passar o aniversário de 30 anos da morte de um dos gênios maiores (na última sexta). Aqui tento corrigir o deslize. Tente não se angustiar com as pausas que ele faz durante o solo:

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Sobre escrever

Pra não passar o dia em branco. Roubado daqui.


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Carnaval

Vou aproveitar o feriadão e me juntar ao GRES Unidos do Império Otomano na gelada Istambul. Volto na próxima quinta. Aproveitem a farra!

Som da Sexta - Selim Sesler

Karnaval keyfini çıkarın!

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Gráfico do dia - megacorporações

Via Market Anthropology. Tomo também de lá emprestada a legenda:

With recent past being prologue, whenever the performance chart of the world's largest market cap company goes parabolic, well - the jig is up real soon.



Leituras pré-carnavalescas

Cordão do Boitatá, vou sentir falta este ano.
A julgar pelo número de acessos ao blog, a turba de leitores já deve ter começado a se entregar aos festejos de Momo (notem que estou evitando a conclusão mais simples que o público se encheu de mim). Antes que caia a zero, aí vão as leituras da semana:

- Discretos noruegueses x David Swensen (Yale), de quem é o melhor modelo de gestão de grandes fundos de longo prazo (soberanos, pensão, endowments).

- Mansueto Almeida analisa o corte de R$ 55 bilhões no orçamento brasileiro para este ano, e conclui que a política fiscal ainda é expansionista.

- Um estudo do Banco Central Europeu chegou à chocante conclusão que traders prestam menos atenção nos mercados durante jogos de suas seleções na Copa.

- A Turquia preocupa-se com o impacto de trocas de aparelho celular nas suas contas externas.

- Porque banqueiros gostariam de ver seus ganhos comparados aos de esportistas, e porque isso é errado.

- Dois engenheiros se meteram a estudar quantitativamente um pouco da política brasileira (como os diferentes partidos votam no congresso), e chegaram a resultados interessantes.

- A difícil aplicação de leis de potência à ciência.

- A contribuição dos cervejeiros da Guinness para a popularização da significância estatística.

- O economista de Harvard mais famoso do momento.

- Porque eu nunca vou conseguir ser doutor em economia.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

As duas Europas seguem divergindo

(Escrevi esse texto sob encomenda, com temas que já apareceram no blog e devem ser batidos para quem acompanha. Como hoje ia passar em branco, resolvi publicar aqui, também.)

Nesta semana soubemos dos dados de crescimento do PIB em 2011 nos 17 países da Zona do Euro. O modesto crescimento anual do produto agregado do grupo, de 0,7%, está longe de ser o desejado pelos políticos e a população, mas tampouco indica que o continente está se afundando em uma recessão, como poderia se imaginar por algumas manchetes e o comportamento dos mercados durante o ano passado (sobretudo no segundo semestre). Os problemas que perturbam o continente tomam melhor forma quando se olha os dados de cada país: enquanto a Alemanha cresceu 3,1% no ano – acima de seu potencial (estimado, em estudo do Banco Central Europeu de 2007, em não mais que 2,5% ao ano) e com a menor taxa de desemprego desde a reunificação – a Grécia amargou uma brutal contração em sua economia de 6,8%, acumulando queda de 16% no produto desde o pico pré-crise e desemprego de mais de 1/5 da população economicamente ativa. Mesmo fora desses extremos evidentes, é possível encontrar outros contrastes marcantes: França e Holanda crescem, Portugal e Itália encolhem.

Esses números confirmam uma tendência persistente da Europa nos últimos anos: a economia do continente, olhada do alto, não vai mal. O crescimento é medíocre, mas talvez compatível com a demografia e um nível de riqueza já elevado; a inflação é baixa e a moeda é sólida, sem problemas de financiamento externo. O problema, novamente, está nas diferenças entre países. Todo o projeto do euro era baseado em convergências: primeiro de taxas de juros, depois de câmbio e, posteriormente, de ciclos econômicos, condição básica para o funcionamento de uma política monetária única. A premissa errada foi que todos os países seriam capazes de, se não respeitar estritamente, ter como base contas do governo relativamente equilibradas. Isso dependeria tanto de crescimento e capacidade de arrecadação de impostos quanto de uniformização nos gastos, sobretudo no que diz respeito a privilégios adquiridos, como aposentadorias e empregos no setor público. O que estamos vendo são as conseqüências desse erro e, revertida a convergência nos outros indicadores (evidência nas diferenças de crescimento mencionadas acima e na dispersão das taxas de financiamento das dívidas nacionais – de 1,85% a 33,3% para o retorno de títulos de dez anos), fica difícil a sustentação de um regime de moeda única em países com prioridades e problemas tão distintos.

Há quem goste de contar essa história sob um ponto de vista moral, como se a economia do continente fosse um grande emaranhado de cigarras e formigas. A moral, porém, entra numa zona cinzenta quando o que está em jogo é um processo de integração continental que nasceu, em larga medida, do trauma dos conflitos militares e ideológicos do século XX; mais ainda quando se torna notável, com o viés humano de atribuir mais peso a acontecimentos recentes, que tal processo pode ter gerados vencedores e perdedores e aprofundou as diferenças dentro do continente. Hoje, para os gregos, portugueses, irlandeses e espanhóis, importa menos quanto seus países enriqueceram nas décadas que levaram à integração do continente que as perspectivas para o futuro próximo, e os políticos que lidem com isso.

Fosse a Europa uma federação de estados, como os Estados Unidos, a resolução da crise seria relativamente simples: Califórnia ou Idaho, todos elegem o mesmo presidente, falam a mesma língua e cantam o mesmo hino nacional. Explicar a um bávaro que a estabilidade e paz do continente podem depender dele financiar a aposentadoria de condutores de trem gregos que se aposentaram antes dos 60 anos é mais complexo. Agrava esse problema a ausência de líderes fortes e carismáticos, capazes de explicar à população a complexidade da situação e suas conseqüências. Buscam-se soluções de curto prazo, na linha de que problemas não são resolvidos, apenas substituídos por outros mais urgentes e agudos. Assim, pode-se acabar esquecendo um problema econômico e tendo que encarar um grave problema social, do tipo que levou à quase destruição do continente em diversos momentos nos últimos 100 anos.

Até agora, tem-se buscado uma saída via distribuição de dinheiro condicionada à disciplina fiscal. Com o tempo, vai se perceber que esse tipo de política aprofunda desigualdades – o dinheiro é destinado, sobretudo, a pagar credores, e depende de um duvidoso “efeito cascata” (trickle down) para chegar à população – e que é irrealista esperar recuperação econômica em ambiente de demanda privada reprimida e gastos do governo decrescentes. As desigualdades evidenciadas nesses últimos dados de atividade tendem a aumentar, até o ponto em que a população dos países em crise seja empurrada para a demagogia e o populismo (talvez a Grécia esteja perigosamente próxima a esse ponto, dada a violência das manifestações contra o voto do último pacote de austeridade). Líderes dos países ricos deveriam ser prescientes e evitar esse ponto em que o tecido social do continente, costurado com enorme custo humano ao longo de muito tempo, fique perto de um novo rompimento. Para isso, é preciso exigir coragem desses políticos para defender maior integração fiscal, não condicionada a uma moral simplista que opõe gastadores a poupadores. Infelizmente, os sinais, até agora, são de quase total ausência dessa visão de longo prazo e ignorância à evidência histórica. Pobres ricos europeus.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Frases do dia - BRICs, pelo criador

Ele nos juntou e agora vem com essa?
"Esses quatro países compartilham muito pouco: dois são democracias, dois não; dois são produtores de commodities, dois não; Brasil e Rússia têm nível semelhante de riqueza, a Índia está muito atrás. O resultado é que os países têm prioridades muito diferentes. Eles não conseguiram nem concordar em relação a um nome para liderar o FMI quando Strauss-Kahn saiu."

Jim O'Neill, da Goldman Sachs, dizendo o evidente que às vezes deixa de ser enxergado (está na Folha de hoje). Falei sobre o tema aqui.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Últimas palavras sobre a Grécia

(Eu já devo ter prometido algumas vezes que não ia falar mais da Grécia, mas não me segurei. Conto com a compreensão do leitor.)

Irrito-me ao ler a expressão "ditadura de mercado" para definir a situação da Grécia: sendo "forçada" a aceitar cortes de orçamento e se comprometer com políticas austeras sugeridas pela "troika", Berlim ou quem quer que seja. Vendo só por esse lado, parece que a Grécia chegou no ponto em que está do dia para a noite, sem colher nenhum benefício e sem nenhuma aprovação de sua população.

Austeridade é o preço cobrado para que a Grécia continue no euro e evite um calote da dívida. É um caminho escolhido - e, se não do jeito mais democrático possível, a população nas ruas é a manifestação dessa insatisfação. Outros caminhos são possíveis, com suas devidas consequências: sem austeridade, não há dinheiro do FMI / União Européia; sem o dinheiro, a opção é o calote e desvalorização da moeda. Inúmeros casos na história mostram que há vida depois disso. O que não é aceitável, e é o que deveria estar claro desde que o país entrou no euro, é continuar desrespeitando as regras de um acordo e continuar se beneficiando dele.

A dívida da Grécia foi acumulada por políticos gregos, eleitos por cidadãos gregos que, com maior ou menor participação, se beneficiaram do período de endividamento. E, no fim das contas, quem vai decidir o destino do país e vivê-lo depois são esses mesmos gregos, que, se ficarem insatisfeitos com os resultados da austeridade, votarão em quem a desafie ou seguirão ocupando a Syntagma até que o governo atual caia e convoque eleições. Assim deve funcionar a democracia; o resto é coitadismo ou Lei de Gérson aplicada. Os gregos devem e merecem ser tratados como adultos, como foram os brasileiros, argentinos, russos, mexicanos e islandeses do passado recente.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Como não vender esse mercado?

Por coincidência, hoje rolou uma discussão nos comentários falando sobre o indicador das capas de revistas, e eu disse que me arrependia das vezes em que não o segui. Hoje mesmo a Barron's aparece com esta capa, que dispensa demais comentários:


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Som da Sexta - Booker Ervin

Um dos saxofonistas que mais gosto de ouvir.

Leituras da Sexta

- Três anos depois, João Moreira Salles, da piauí, voltou a Islândia, balão de ensaio da crise de 2008 e possíveis respostas a ela. Encontrou um país onde os cidadãos e credores foram tratados como adultos, o que, acho, não é pouco para os dias de hoje. Por enquanto está disponível no site só para assinantes; ao longo do mês, a matéria deve ser liberada, como é o bom costume da revista.

- As ações da Apple continuam a escalada (até o céu, dirão alguns): esta semana o valor de mercado da companhia ultrapassou a soma de Google e Microsoft; se a Apple fizesse parte do Dow Jones, o índice estaria em sua máxima histórica; James Altucher, que há cinco anos disse que o Facebook valeria US$ 100 bilhões, acredita que a Apple pode ser a primeira empresa a alcançar US$ 1 trilhão no mercado. Antes disso, precisa testar a heurística que diz que nenhuma companhia aberta valeu por muito tempo mais que US$ 500 bilhões (Petrochina, Exxon e Microsoft tentaram e falharam) - mais nessa fala de Geoffrey West.

- Warren Buffett volta à famosa imagem do cubo de ouro de 21m de aresta para defender o investimento em ações.

- Mais um texto que, indiretamente, alimenta o senso de auto-importância dos economistas ao defender que o paradigma neoclássico causou a crise.

- O que é ser keynesiano hoje em dia? (dica Maurício Santoro)

- Para o zeitgeist americano, ver o comercial que a Chrysler passou no intervalo do Super Bowl, com Clint Eastwood.

- 5.000 pesquisadores já aderiram a um boicote a Elsevier, maiora editora de revistas científicas do mundo. Tyler Cowen decidiu não aderir, e comenta. Aqui no Brasil, costumo pegar no pé da Elsevier / Campus pelos preços extravagantes dos livros que publica - o clássico Desafio aos Deuses, por exemplo, custa aqui R$ 122, contra US$ 12,50 na Amazon. Sim, a qualidade da publicação aqui é melhor e há um problema de escala, mas... seis vezes mais caro?

- Christina Romer discorda de Dani Rodrik e diz que a indústria não deve ter tratamento especial.

- Como desgraça gosta de companhia, apareceu na Grécia um supergerme resistente a antibióticos que causa pneumonia.

- Tyler Cowen sobre o novo livro de Tony Judt (com Timothy Snyder).

- Pensar que tempo = dinheiro é receita para infelicidade, diz um estudo da Universidade de Toronto.

- A The Economist sobre o leilão dos aeroportos brasileiros.

- Uma playlist de Barack Obama, devidamente cornetada.

- Para saudosos da Chiclete com Banana: Angeli e Laerte planejam lançar, juntos, uma nova revista.

- Homenagem, em vida, do Laerte à obra do Wando, aí do lado.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Gráfico do dia - a dura vida dos palpiteiros

Brent Donnelly, do Nomura, resolveu pegar no pé de Nouriel Roubini e David Rosenberg (clique para aumentar):


O relatório completo, cuja leitura recomendo, está aqui.

Acha que estamos em uma nova bolha de tecnologia? Vai tentar vender...

Já devo ter reproduzido aqui uma meia dúzia de vezes a tabela abaixo, que está acompanhando o mercado de ações de internet / tecnologia na medida em que passos da bolha que estourou em 2000 vão sendo repisados com precisão assustadora (clique para aumentar):


Talvez o diagnóstico seja preciso e estejamos mesmo em uma bolha, que, quando estourar, vai deixar os acionistas de algumas companhias com uma pequena fração do que investiram. Porém, como também já escrevi aqui, tentar lucrar antecipando o estouro de uma bolha é das coisas mais ingratas que um especulador pode se dedicar a fazer. Meu amigo Veiga tem o estranho prazer de acompanhar algumas companhias abertas com negócios mais ou menos estranhos baseados na internet. Com a ajuda dele, montei a tabela abaixo, acrescentando o índice Nasdaq e alguns outros casos que considero emblemáticos:


Timing is a bitch... por enquanto, em 2012, ganharam os que identificaram a bolha e, seguindo a máxima de George Soros, compraram e estão surfando. Se a história se repete, teremos, como em 2000, muita gente inteligente perdendo dinheiro mesmo com a visão de médio / longo prazo se provando correta. Esse negócio de tentar ser mais esperto que o mercado é muito, muito difícil.

E os blogueiros se encontram - II Encontro Nacional dos Blogueiros de Economia

Pois é, este ano, mesmo eu não tendo parado de falar mal da academia, tive a honra de ser convidado para o encontro. A represália, porém, veio de outra forma: os organizadores me enfiaram num painel junto com três PhDs, que provavelmente vão demolir todos meus argumentos pueris sem compaixão e soltar risadinhas sádicas enquanto falo. Pelo menos, como disse o Márcio Laurini, estarei atrás de um biombo e serei poupado de ver a reação do público.

Brincadeiras à parte, realmente fiquei muito feliz com o convite. Vai ser uma grande oportunidade para conhecer pessoalmente outros escribas que admiro, notar como as soluções para a crise mundial são fáceis e só não são implementadas porque políticos são preguiçosos e dar boas risadas. Quem estiver em BH no dia 9 de Março está mais do que convidado a passar por lá. A organização prometeu tábuas de frios e frutos do mar, champanhe Cristal à vontade, strippers e pocket show do Paulinho da Viola durante o intervalo.

A programação está aqui; o cartaz oficial está aí embaixo (clique para aumentar), para quem quiser ajudar a divulgar.


Os culpados são o Cláudio Shikida e o Cristiano Costa, a quem, mais uma vez, agradeço pelo convite.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Blogroll

Dei um tapa no blogroll aí do lado - na verdade só adicionei alguns que tenho acompanhado, ainda falta criar uma categoria "Sarcófago" e colocar os que foram extintos ou estão em hibernação. Quem estiver com tempo sobrando e sair clicando por lá vai encontrar muita coisa boa.

Gráfico do dia - mercados imobiliários

Uma perspectiva de longo prazo interessantíssima, que mostra que, em termos reais, os preços de casas nos EUA estão praticamente no mesmo nível que há 112 anos. Levado a sério esse dado, uma possível conclusão é que a bolha que estourou nos EUA em 2007/2008 era muito mais um problema de alavancagem do que de valorização excessiva desse tipo de ativo. Outra é que os preços atuais podem ser a oportunidade de uma vida.


Tirado do Credit Suisse Global Investments Returns Yearbook 2012, que tem muitos outros insights valiosos (dica: Abnormal Returns).

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Um passeio por bancos centrais pouco falados

1. O Banco Central da Nova Zelândia deve ter batido algum recorde de transparência ao anunciar sua vaga de presidente na seção de procura de executivos na The Economist. Interessados têm até dia 27 de Fevereiro para mandar o currículo.


2. Como opera o Banco de Reserva da Índia.

3. A combinação de moderação e certa imprevisibilidade do banco central da Malásia.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Leilão dos aeroportos - voa, Brasil!

Comecei a colocar opiniões no twitter, mas a limitação dos caracteres deixou tudo muito confuso. Melhor exercitar a verborragia aqui:

- A notícia é esta: o governo vendeu as concessões de três aeroportos (Cumbica, Viracopos e JK - Brasília) por R$ 24,5 bilhões, ágio médio de espantosos 347% - foi de "apenas" 160% no caso de Viracopos e absurdos 673% para Brasília. Esses números já deveriam levar algum observador atento a perguntar se (i) o preço inicial não foi subestimado ou (ii) o valor pago é fora da realidade.

- Para pegar um dos casos e fazer algumas contas de padaria (já me perdoem as simplificações): o aeroporto de Heathrow, em Londres, é o terceiro mais movimentado do mundo em tráfego de passageiros (e primeiro em tráfego internacional. No ano passado, foram transportados em Heathrow quase 69 milhões de passageiros, mais que o dobro do que em Cumbica, e o aeroporto rendeu de lucros para seus concessionários (um consórcio de empresas do Canadá, Cingapura e Espanha) pouco mais que 1 bilhão de libras (R$ 2,7 bilhões, ao câmbio corrente).

- Vamos ser generosos e assumir que a operação no Brasil é espetacularmente lucrativa e promissora, e que Cumbica conseguirá entregar, na média dos 20 anos da concessão, lucros anuais iguais aos de Heathrow (só lembrando que a Infraero apurou lucros, em 2010 - último balanço disponível - de R$ 234 milhões). Ao pagamento de R$ 16,2 bilhões, devem ser somados investimentos previstos de R$ 4,6 bilhões até o fim da concessão, o que implicaria num desembolso total pelo comprador de R$ 20,8 bilhões. Numa dose extra de generosidade, não considerando os custos de oportunidade, o investimento se pagaria em pouco mais de 8 anos. Para tirar a generosidade, basta estimar um tamanho de Cumbica como proporção de Heathrow e isso afetaria o múltiplo de maneira linear (ou assim pode-se assumir, creio). Se considerarmos, por exemplo, que Cumbica vai continuar sendo meio Heathrow, o prazo para que o investimento se pague passa para 16 anos (amigos que trabalham com valuation, tentem conter a vontade de me espancar - como dito, são contas de padaria, só para uma avaliação superficial).

- Por esses múltiplos, eu diria que o governo fez um bom negócio com as vendas (ou pelo menos não vendeu a preços escandalosamente baixos). Ou melhor, teria feito se recebesse tudo em dinheiro do setor privado: no caso de Guarulhos, entre os compradores estão fundos de pensão estatais, que, em teoria, têm recursos próprios, mas certamente serão bancados pelo Tesouro caso tenham problemas de capitalização no futuro. Além disso, o BNDES pode financiar, com juros subsidiados, até 80% dos investimentos a serem feitos pelas concessionárias. Essa mistura de subsídios cruzados com risco moral torna a avaliação muito mais difícil, mas certamente menos favorável para o vendedor. Se o valor fosse efetivamente pago em moeda corrente e tivesse que bancar todos os investimentos, provavelmente o ágio não teria sido tão alto.

- Torço muito para que as concessionárias consigam lucrar e pagar seus acionistas e credores - até porque, caso isso não aconteça, a conta volta para o governo: ou na forma de calote nos empréstimos no BNDES, ou em mais subsídios para que a operação, que não pode parar, se sustente. Voa, Brasil.

P.S. Uma opinião mais embasada, da analista da Merril Lynch, que diz que "as ofertas não foram totalmente irrealistas, mas não deixam margem para erro".

O que é o Facebook

Alguns dados interessantes, via Can Turtles Fly? (clique para aumentar).


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Leituras da Semana

- Stephen King, do HSBC, sobre metas de inflação e porque o Fed chega atrasado ao padrão: "Inflation today is determined increasingly by factors beyond an individual central bank’s control."

- A ética monogâmica e o espírito do capitalismo, ou porque a monogamia ajudou o comércio e o fluxo de ideias. Delfim Netto sobre classe média e sua relação com o desenvolvimento.

- Tal qual Roberto Jefferson para José Dirceu, John Taylor diz para a Grécia: sai daí, rápido!

- Niall Ferguson concede uma derrota para Paul Krugman na questão da sustentabilidade da dívida dos EUA.

- Porque recém formados querem trabalhar em investment banking.

- Moisés Naím sobre húbris e o Brasil em Davos.

- Luis Martins de Souza Dantas, um brasileiro que merecia ser mais conhecido.

- Harold Bloom já matou uma porção de coisas; aqui, uma lista.

- Fantástica série de fotografias sobre carvão. Quem acha que geração de energia nuclear tem que acabar deveria considerar que existe esse tipo de alternativa.

- Esqueça qualquer coisa lida sobre a crise européia, aqui está a explicação definitiva.

- 20 espetaculares livrarias mundo afora, a Livraria da Vila do shopping Cidade Jardim aqui em SP entre elas.

- A irrelevância do Oscar - este ano realmente capricharam, com poucas chances de redenção na premiação.

- Domingo é dia de New England Patriots x New York Giants no Super Bowl. As apostas apontam para favoritismo dos Patriots, e isso pode ser ruim para os mercados (pode não ser, também - dããã). Os shows do intervalo classificados por nível de "macheza", o retorno de Ferris Bueller, uma conta que iguala o preço dos comerciais na TV ao PIB da Alemanha.

Som da Sexta - tUnE-yArDs

Do grande disco de rock do ano passado, w h o k i l l. Muito ouvida e  usada como fonte de inspiração esta semana.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Facebook indo a público

Poucas coisas irritam mais um investidor / especulador do que ver uma bolha inflando sem participar dos lucros. Claro que, no fim, nenhuma era é tão diferente assim, todas as bolhas estouram e aqueles têm sua compensação pelo menos na forma de schadenfreude. Muitas vezes, porém, o processo é mais longo do que se antecipa e faz muita gente rica enquanto se desenrola - e ganhar com o estouro é, provavelmente, tão difícil quanto com a valorização (de um tal George Soros: "a primeira coisa que faço quando vejo uma bolha é comprar"). O mesmo Soros, junto com pelo menos outro investidor lendário (Julian Robertson), tentou antecipar o furo da bolha do Nasdaq, em 2000, por muito tempo, desistindo meses antes do início da queda. E o livro The Big Short, do Michael Lewis, conta várias histórias de brilhantes especuladores que lucraram com o fim da bolha imobiliária nos EUA, não sem antes quase irem a loucura questionando suas convicções ante o comportamento exuberante do mercado.

Dado isso, é compreensível o tom raivoso de muitos corneteiros de mercados (este escriba incluído) ao saber que o Facebook está nos últimos passos para uma oferta pública inicial de ações, que deve levantar algo como US$ 10 bilhões e determinar um valor de mercado entre US$ 75 bilhões e US$ 100 bilhões para a companhia (mais aqui). Para uma ideia das grandezas: uma oferta de US$ 10 bilhões seria cinco vezes maior que o IPO do Google, em 2004, e o terceiro maior da história do mercado de capitais dos EUA. Um investidor com US$ 100 bilhões (por acaso, mais ou menos o que a Apple tem em caixa - chorem, pobres!) poderia escolher entre comprar, grosso modo, 100% do Facebook ou escolher uma entre empresas do porte de: Unilever, Cisco, Verizon, Schlumberger, Pepsico, Sanofi (o Google e seus anos de sucesso valem US$ 190 bilhões no mercado, mais ou menos o mesmo que a Petrobras). Ainda que comparando fluxos e estoques, US$ 100 bilhões equivalem a um ano de PIB do Marrocos.

A questão de vários milhões de patacas é se de fato estamos assistindo aos desenvolvimentos finais de uma estranha nova bolha de tecnologia (ver aqui) ou se, com o tempo, o Facebook vai conseguir gerar os fluxos de caixa / crescimento que justifiquem seu preço em bolsa. Para fazer uma conta de padaria: com um valor de mercado de US$ 100 bilhões e um múltiplo preço / lucro igual ao do Google (20x), o Facebook teria que ser capaz de gerar lucros de US$ 5 bilhões por ano - em 2011, gerou entre zero e US$ 1 bilhão, dependendo da fonte. Para quem compra, mais importante do que acreditar nesse crescimento é se convencer de que o modelo de negócios do Facebook é estável, e que a empresa é de fato o modelo definitivo de rede social - sendo que tantas outras que pareciam promissoras caíram no esquecimento antes de fazer qualquer dinheiro para seus compradores finais. Há opiniões de "especialistas" para todos os lados; eu acho as premissas muito, muito frágeis - mas pelo menos desde que a empresa era avaliada em "apenas" US$ 50 bilhões. Façamos nossas apostas e assistamos a uma das grandes histórias corporativas dos nossos tempos.

P.S. Sim, acho que o Zuckerberg é mais um iludido pelo acaso do que um visionário.

P.P.S. O Wolfram|Alpha está muito bacana pra levantar informações de empresas listadas. Treme, Bloomberg.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Mesmo sem SOPA e PIPA...

Hoje recebi o seguinte e-mail (dado: ao longo de cinco anos, eles removeram dois de dezenas de documentos que subi para o Scribd):



Claro que não dá para extrapolar nada a partir de uma observação e que é só criar outra conta, mas não consigo deixar de pensar que ainda vamos sentir saudades da liberdade de circulação de informação dos últimos anos. Na margem, claro.