sexta-feira, 29 de maio de 2009

Sell in May and go away... NOT!

O título é uma das máximas folclóricas do mercado financeiro. Maio, dizem, é o mês de vender ações e ir embora, por conta de um efeito sazonal (mais detalhes aqui). Não foi o caso em 2009 - a Bovespa fechou o mês no nível máximo desde Setembro de 2008 (antes, portanto, da quebra da Lehman Brothers, e acumula impressionantes 42% no ano), e o S&P 500 também registrou uma expressiva valorização (mais de 5%). Na briga entre fundamentos pobres e uma montanha de dinheiro que estava fora do mercado sendo aplicado, o segundo fator está vencendo.

Gazeta Mercantil, 1920 - 2009

Continuando a contagem de corpos da sexta-feira:

Gazeta Mercantil pode circular hoje pela última vez

A própria Gazeta Mercantil de hoje traz um texto choroso (indicado por uma amiga) sobre o fim de um jornal. Com o velho pensamento de que os tempos estão errados... como se a humanidade tivesse que se adaptar ao modelo "correto" (ler jornal). Como se o excesso de opções para escolha fosse algo intrinsecamente ruim, quando o problema de boa parte da humanidade é, justamente, a absoluta falta de opções.

A coincidência com a General Motors não está só nas iniciais. A Gazeta Mercantil representa o passado. É um empreendimento incapaz de se pagar, além de um mau devedor. Sobreviveu enquanto praticamente não havia competição; com a chegada do Valor Econômico, afundou de vez. A sociedade deve a ela um lugar na história, nada mais. Que dê lugar a novos meios, é assim que deve funcionar o capitalismo.

General Motors, 1908-2009

Pouquíssimas empresas sobrevivem para comemorar um centenário. A General Motors conseguiu tal feito em 2008, mas apenas para capitular em grande estilo no ano seguinte. As ações da GM negociadas em Nova York bateram hoje a mínima em 76 anos de negociação, sendo cotadas abaixo de US$ 1. A expectativa é que a companhia entre em concordata na segunda-feira, marcando, emblematicamente, o fim de uma era (outro símbolo, belíssimo, é o último filme de Clint Eastwood, Gran Torino. Se ainda não viu, trate de correr para o cinema). As montadoras americanas sobreviverão como "companhias-zumbis", apoiadas pelo governo e subsidiadas pelos contribuintes, mas a quebra da GM é o sinal evidente de mais uma indústria que se inviabilizou nos Estados Unidos - se já era difícil competir somente com os japoneses, vai ser impossível ter um setor automobilístico rentável com a entrada no mercado de coreanos, indianos e chineses.

Uma grande questão para os próximos anos (décadas, talvez) é: até quando o contribuinte americano concordará em financiar setores que não são mais competitivos? Já é assim com a agricultura, têxteis, siderurgia... e a lista tende a aumentar. Algumas dessas indústrias podem ser grandes geradoras de emprego, outras contam com lobbies fortíssimos em Washington; qualquer que seja o caso, vão se acumulando motivos para que trabalhadores de ramos realmente produtivos e empreendedores comecem a pensar duas vezes antes de dispor de suas energias: trabalhar para pagar impostos e sustentar o status quo? Pelo tamanho do estoque de riqueza e pelo dinamismo da sociedade, a decadência dos Estados Unidos deve ser lenta e pode ser revertida, mas aparentemente é o caminho escolhido -- Obama pode representar a mudança em alguns aspectos, mas não na economia. Empresas e órgãos do governo que falharam na crise de crédito continuam sendo dirigidas pelas mesmas pessoas e com as mesmas práticas, apenas um pouco disfarçadas. Que pena, Tio Sam.

Da General Motors ficará a história, como narra Liaquat Ahamed no muito bom Lords of Finance, lançado nos EUA no início do ano e ainda sem tradução em Português:

"Sob seu novo comando profissional (a partir de 1920), a General Motors tornou-se a companhia mais bem sucedida do país e a queridinha de Wall Street. Em 1925, estava produzindo mais de 800.000 carros por ano, cerca de 25% das unidades vendidas no país, e gerando mais de US$ 110 milhões em lucros. O preço de suas ações nesses cinco anos quadruplicou, de cerca de US$ 25 para mais de US$ 100."

Pela regra de bolso do próprio autor, as grandes cifras da época devem ser multiplicadas por 200 para se obter o equivalente em dólares atuais. Assim, o lucro da GM nos anos de 1920 equivale a US$ 22 bilhões atuais. Com uma relação preço / lucro relativamente conservadora, de 10 vezes, a empresa valeria hoje US$ 220 bilhões. Seria a segunda maior companhia do mundo, só atrás da ExxonMobil.

Sic transita gloria mundi.

Loiras contra a crise



Notícia do país cujo PIB encolheu módicos 18% (comparação ano contra ano) no último trimestre do ano passado:

Loiras criam festival para afastar baixo astral da crise

* A moça da foto é uma tal Sanita Kubliņa, representante da Letônia no concurso de Miss Universo de 2006.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Teste sua moralidade

Nicholas D. Kristof, colunista do New York Times, aponta em sua coluna de hoje para um interesante teste sobre moralidade, elaborado por um grupo de cinco psicólogos sociais que estudam moralidade e política. O teste sobre bases morais leva em conta cinco pilares da moralidade observados em diferentes culturas: dano / cuidado, justiça / reciprocidade, lealdade, autoridade / respeito, pureza / santidade. Os resultados das respostas agrupadas em cada um desses pilares são comparados com os obtidos por outros membros da amostra classificados como liberais ou conservadores, como no gráfico abaixo (com os meus resultados - as barras verdes referem-se às minhas respostas, as azuis às de liberais e as vermelhas às de conservadores). Em linhas gerais, liberais prezam os dois primeiros pilares e dão menos importância aos demais, conservadores, ao contrário.




RAAAbobank e EUAA

Duas notícias que chamaram minha atenção na The Economist da semana passada (só chega em casa com uns cinco dias de atraso, e minha preguiça de ler na tela me impede de ter acesso ao conteúdo antes):

- O banco holandês Rabobank foi o único a manter a nota AAA após a crise (a matéria, sobre os bancos que saíram bem da crise, é bastante interessante. O veredicto: Credit Suisse e JP Morgan foram os menos prejudicados);

- A agência de classificação de risco brasileira SR Ratings deve classificar os EUA com um "A" a menos - AA, apenas. É, admitidamente, uma provocação, mas não deixa de ser um sinal dos tempos.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Veja e BC

A Veja desta semana publica uma matéria sobre o spread bancário, esse incompreendido. Fora a salada que faz ao tentar ligar os juros do BC com os cobrados pelo banco, a revista incorre no batido erro de confundir correlação com casualidade, ao sugerir que o que explica a queda dos juros futuros após a virada do ano é a "çábia" decisão do BC de manter a Selic inalterada, "sinalizando que não se admitirá um aumento na inflação" (ver o gráfico abaixo).


Primeiro, os juros locais (e mundo afora) subiram, em grande parte, por conta da liquidação forçada de ativos que tomou conta do mundo no pânico de Outubro / Novembro. Os juros podem ser expressos como o inverso do preço de um título de renda fixa - para o preço do título cair, os juros embutidos nele (ou a taxa de juros pelo qual ele é trazido a valor presente) têm que subir. Depois, os juros caíram porque o mercado percebeu que a Selic naqueles níveis não era compatível com a nova conjuntura econômica, de forte desaceleração. A verdade é que o BC brasileiro cometeu uma grande barbeiragem, insistindo em subir os juros básicos até o dia 10 de Setembro do ano passado, cinco dias antes da quebra da Lehman Brothers. Mas, como o Brasil tem se saído bem na crise, a inflação segue baixa, os bancos seguem lucrando e Henrique Meirelles virou o ministro mais querido do presidente Lula, ninguém vai se lembrar disso.



sexta-feira, 22 de maio de 2009

Dr Doom no Brasil


"Um economista deve ser capaz de prever o que vai acontecer em uma semana, um mês e um ano, e depois ser capaz de explicar porque não aconteceu"
Sir Winston Churchil

O guru da vez atende pelo nome de Nouriel Roubini, e está no Brasil esta semana para um seminário promovido pela revista Carta Capital. Doutor em economia por Harvard, nasceu em Istambul, morou no Irã, Israel e Itália antes de se estabelecer nos EUA. Reflexo de suas idas e vindas dignas de espião da CIA, fala Inglês com um sotaque que lembra Teddy KGB, o personagem de John Malkovich em Cartas na Mesa. Antes restrito ao mercado financeiro e à academia (ele é sócio de uma consultoria econômica e professor da NYU), Roubini ganhou status de celebridade no ano passado, ao ser "o único economista" que previu a crise econômica na qual estamos enfiados.

O grande Yogi Berra já disse que é muito difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro. Um dos corolários deste pensamento é que devemos desconfiar de gurus. Sobre este, tenho uma história a la Forrest Gump para contar (eu também apostei que o Ronaldo ia ser artilheiro da Copa de 2002 uns seis meses antes dele voltar a jogar e vi o homem mais alto do mundo na rua, em Londres, mas nessas ninguém vai acreditar, mesmo):

Como convidado do Ibmec, Nouriel Roubini veio ao Brasil em Agosto de 2007. Eu estava na palestra, na qual, após ter passado anos fazendo previsões extremamente pessimistas sobre a economia americana (e ter visto, poucos dias antes, a bolsa americana fechar na máxima histórica), ele admitiu que, talvez, suas projeções estivessem muito pessimistas e que, só talvez, houvesse algum problema no mercado imobiliário dos EUA, mas sem maiores consequências para os outros países. Um pouco dessa visão está nesta reportagem da época. Eu tinha a apresentação dele em Powerpoint, mas não consegui encontrar para mostrar, então tenho que ficar só com a minha memória. O que a história mostrou depois, todos sabemos: começou a crise do subprime, que virou uma grande crise de crédito, ele (e o resto do mundo) esqueceu essa ligeira mudança de opinião e hoje Roubini embolsa US$ 15 milhões por ano na função de oráculo.

A história de Roubini é um ótimo exemplo da confusão que muitas vezes se faz entre sorte e competência. Esse tema foi muito bem explorado por Nassim Nicholas Taleb em seus dois livros não-técnicos, Fooled by Randomness ("Iludido pelo Acaso", na tradução) e The Black Swan ("A Lógica do Cisne Negro"). Taleb argumenta que, numa amostra grande de pessoas tentando fazer previsões, sempre vai haver algum acerto - muitas vezes em diversas ocasiões consecutivas. Nem sempre esses acertos são devidos à alguma qualidade de quem os previu, podendo ser frutos do mero acaso. Roubini parece ser um desses sortudos - e, notem, não estou questionando sua capacidade técnica (provavelmente muito grande) - só quero voltar ao ponto de Yogi Berra (e do próprio Taleb): tentar prever o futuro é um exercício ingrato e muito sujeito a erros e aleatoriedade (curiosamente, Taleb, que também virou um dos heróis por alertar sobre a crise, tornou-se amigo de Roubini. Amizade não depende mesmo de total concordância - na foto acima, os dois, lado a lado na CNBC).

Roubini pode seguir acertando e sendo ainda mais endeusado. Ou pode ser surpreendido e desmoralizado, como foram os que previam a "grande moderação". Isso pouco importa: o que não podemos é deixar de exercitar nosso senso crítico e humildade, aceitando que o mundo em que vivemos é muito mais complexo do que algumas pessoas nos fazem acreditar.

Taleb sobre Roubini: http://www.fooledbyrandomness.com/notebook.htm, ver a nota 108.

MBAs e Bruxas

Continua a desmoralização do antigo establishment. Do Daily Dilbert de hoje:

Dilbert.com

Wolfram Alpha, dando o que falar

Não passou batido o lançamento do Wolfram Alpha, que comentei abaixo. A conclusão? Ele e o Google estão em outra liga. O que importa é que o mundo terá mais uma grande feramenta para organizar conhecimento.

Leia mais:

- Na The Economist da semana passada;
- Numa matéria no site da Slate;
- No caderno de Informática desta semana da Folha de São Paulo.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

No future for you



As agências de classificação de risco, que, há pouco tempo, atribuíram notas AAA (equivalente ao risco mais baixo possível, o do tesouro americano, por exemplo) a títulos indexados à hipotecas que hoje valem pouco mais que um dólar do Zimbábue, deveriam estar entre as entidades mais desmoralizadas após a crise de crédito que vem varrendo o mundo. Entretanto, o pacto de mediocridade entre elas e o mercado continua - elas fingem que fazem uma análise de crédito criteriosa e não-viesada, e o mercado finge que acredita. A notícia que chama atenção hoje é que a Standard & Poor's colocou em revisão o AAA do tesouro britânico, cuja dívida aproxima-se de 100% do PIB do Reino Unido. Colocando esse dado em perspectiva: a relação dívida / PIB do Brasil é de cerca de 37%. A diferença fundamental é que a rainha se financia a 3.65%, enquanto nós, emergentes tupiniquins, temos que pagar 12% de juros anuais para o mesmo prazo (dez anos).

A diferença entre a qualidade dos créditos soberanos e como o mercado os avalia deve ser uma das distorções mais gritantes nos mercados mundiais. Economias perdulárias e decadentes ainda são vistas como bons riscos para o futuro. Como estará a economia britânica em 30 anos? Os prospectos não parecem brilhantes, levando-se em conta que muito da prosperidade dos últimos anos deveu-se ao mercado financeiro, que deve viver anos de mais regulação e supervisão e lucros substancialmente menores. Lá no longo prazo, onde todos estaremos mortos, deve chegar o dia em que o Reino Unido será uma espécie de Portugal, vivendo das glórias e do estoque de riqueza passados e contando com alguma ajuda dos vizinhos ricos que ainda sobrarem.

O caso do Brasil merece uma reflexão mais longa e profunda, mas, para início de conversa, parece que desta vez nem nossos brilhantes políticos conseguiram estragar um considerável salto para a prosperidade. Com taxa de câmbio e inflação estabilizadas, força de trabalho jovem e abundante e dívida e juros em trajetória descendente, reunimos alguns elementos muito importantes para que o velho slogan de "país do futuro" vire uma realidade presente. Mais sobre o tema em breve.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Maca Letter, R.I.P.


Esqueci de comentar: ontem circulou a última edição da Maca Letter, newsletter criada por um ex-trader do UBS e da Fator, que pretendia ser o "único relatório efetivamente independente do Brasil" (e tinha o layout descaradamente copiado da famosa Gartman Letter). O fato é que a independência (ou inocência, como preferirem) teve um custo, e o tal autor acabou com dois processos nas costas. Por mais que eu não fosse grande fã do conteúdo, não deixa de ser meio triste um veículo independente de informação ter durado tão pouco.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Google, tremei



A Wolfram Research, empresa que desenvolveu o consagrado software Mathematica, lançou no último dia 15 o seu portal Wolfram|Alpha, que tem a nada modesta proposta de tornar todo o conhecimento do mundo "computável". Parece pretensão? Assista à apresentação aqui e tente não deixar o queixo cair.

Brasil Foods e você, tudo a ver


Chegou, finalmente, o tão antecipado anúncio da fusão entre Sadia e Perdigão, que cria a maior exportadora de carne processada do mundo, uma "supercampeã brasileira", como, certamente, alguém já definiu ou vai definir. A verdade, como quase sempre, é bem menos romântica. A Sadia, ao invés de contentar-se em ser uma competente produtora de alimentos, enfiou-se até onde não podia na especulação com derivativos, apostando na tola idéia que uma desvalorização súbita do real era muito pouco provável - e perdeu. Totalmente fragilizada financeiramente, mas ainda sendo uma empresa competitiva no que fazia (frangos e afins, e não operações de tesouraria), seria um alvo fácil para uma compra, assim que o dinheiro voltasse a circular no mercado financeiro. Assim deveria funcionar o capitalismo, empresas passando de "mãos fracas" (ou pouco competentes) para "mãos fortes".

Logo após o anúncio das perdas bilionárias com a alta do dólar, começa a operação resgate. Um ex-ministro do desenvolvimento, antes disso executivo de longa data da empresa, é chamado de volta para a presidência do conselho de administração. Para encurtar uma tortuosa história, a empresa que parecia destinada a ser comprada passa a fazer parte de uma fusão, aparentemente positiva para os acionistas das duas envolvidas. Mas, claro, falta a cereja do bolo: a nova empresa fará prontamente uma nova oferta de ações, de R$ 4 bilhões. Que já tem destino certo, caso os tolos do mercado não mostrem interesse: a carteira do BNDES - banco estatal (vinculado ao Ministério do Desenvolvimento - hmmmmmmmmmmmm), capitalizado via emissões do Tesouro Nacional, que, posteriormente, o Tesouro deve resgatar com dinheiro - adivinhe!!! - do contribuinte. Sim, caro leitor, você é uma espécie de sócio da "supercampeã"; só não espere colher nenhum benefício por conta disso.

Resta torcer pelo sucesso da nova empresa, e que não resolvam unificar a linha de produtos - como bom consumidor de embutidos, afirmo que os da Sadia são muito melhores que os da Perdigão...

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Voltando e arrumando a casa

Depois de um longo inverno, resolvi voltar a postar. Espero (como sempre...) que desta vez com alguma regularidade, se assim o trabalho permitir. Atualizei a lista de blogs aí do lado; os próximos posts serão um guia para o que esses nobres escribas têm a oferecer.